Completou-se no passado dia 1 um ano sobre a data em que um “proto-referendo” independentista, realizado à margem do sistema constitucional espanhol, convocado a coberto de uma legislação autonómica inconstitucional e feita à medida por parte do governo autónomo catalão, e não reconhecido por nenhum outro Estado da comunidade internacional, teve o condão de culminar um processo independentista que colocou a Catalunha a ferro e fogo.
Recordar-nos-emos todos dos desenvolvimentos subsequentes desse ato – com a suspensão do regime autonómico na Catalunha mediante a aplicação do célebre artigo 155º da Constituição por parte das autoridades de Madrid, a prisão ou fuga para o estrangeiro dos principais líderes independentistas, a fuga em massa de empresas da Catalunha e a realização de novas eleições autonómicas que, na prática, nada vieram resolver, tendo dado como mais votado um partido constitucionalista mas atribuindo ao bloco independentista a maioria dos lugares no Parlement da Catalunha.
Depois de meses a fio sem ter conseguido formar governo autonómico, Barcelona viu finalmente emergir um arremedo de governo ao mesmo tempo que, em Madrid, uma moção de censura derrubou o governo de Mariano Rajoy, permitindo o regresso ao poder do Partido Socialista, desta feita pela mão e sob a direção de Pedro Sanchez.
Ao fim de um ano, e à velocidade a que a informação circula hoje em dia, a questão catalã saiu do centro das notícias – mas isso está longe de significar que a mesma tenha sido resolvida ou, sequer, minimizada. Os principais agentes políticos mudaram, tanto em Madrid como na Catalunha, mas os problemas fundamentais com que a questão independentista ou autonómica se debate permanecem no terreno e bem longe de estarem resolvidos ou superados.
Rajoy e o anterior poder central de Madrid foram obstinadamente claros no plano em que quiseram resolver ou esconder a questão catalã. Invariavelmente, optaram por colocar o tema na sua dimensão judicial, deixando para as diferentes instâncias do poder judicial do Estado central a adoção das medidas que, protegendo a Constituição, garantiriam a regularidade formal do funcionamento do poder autonómico catalão.
Através de uma série interminável de recursos e impugnações judiciais, Madrid foi obtendo apoio judicial para as suas teses políticas e, com essa opção, conseguiu que as mais duras e difíceis medidas tomadas no decurso daquele processo tivessem tido, sempre, o beneplácito do aparelho judicial do Estado central.
Em termos muito objetivos, Rajoy e o seu governo nunca enfrentaram a questão catalã no mais controvertido – e por isso mesmo no mais difícil – plano em que a mesma teria, e terá, de ser resolvida: no plano puramente político. Porque a questão catalã é, eminentemente, um problema político e não um problema jurídico. O anterior governo espanhol não podia ter ignorado esta realidade; foi-lhe, todavia, mais conveniente, mais confortável e mais fácil remeter a questão para a alçada da justiça e dos tribunais.
Foi uma opção que se viria a revelar catastrófica – para Espanha, para a Catalunha, para Rajoy e seu governo, e para a própria imagem de Espanha no exterior. Um dos elementos mais relevantes do insucesso dessa estratégia pode ser medido num simples dado: quando Rajoy assumiu a governação, a simpatia pela independência da Catalunha não ia além dos 15% dos catalães; quando Rajoy saiu do governo, a simpatia por essa causa cifrava-se em quase 45%.
Hoje, um ano volvido sobre o momento determinante daquele processo, com um novo presidente à frente do governo de Madrid, poder-se-ia pensar que estariam criadas as condições necessárias para a busca de um diálogo político que permitisse encetar uma solução também política para a questão catalã. Infelizmente não é isso que se verifica, e os dados conhecidos permitem-nos concluir que foi mais uma oportunidade que se perdeu e que longe de se caminhar no sentido da sua resolução, o problema catalão continua presente, vivo e, pior que tudo, a agravar-se a cada dia que passa. O poder autonómico permanece refém das suas próprias contradições internas e praticamente paralisado e Madrid dá mostras evidentes de não saber como lidar com ele.
Ao contrário do que, apressadamente, possamos concluir, a questão catalã não é só importante e relevante para Espanha. É-o, também, para nós uma vez que, sendo Espanha o único país com o qual possuímos fronteira terrestre, nada do que se passa aqui ao nosso lado, sobretudo no domínio da organização territorial, nos pode ser estranho e alheio. Mas também o é para a Europa, onde não faltam várias “pequenas Catalunhas” que têm os olhos postos em Barcelona e na forma como a questão catalã será (ou não) resolvida para fazerem valer as suas aspirações independentistas e nacionalistas.
Convém, por isso, “regressarmos” recorrentemente à Catalunha e prestarmos alguma atenção ao que por lá se vai passando e à forma como se desenvolve a política catalã para não sermos surpreendidos nem com as suas possíveis evoluções nem com as suas eventuais consequências. E ainda não chegou a hora de podermos estar tranquilos quanto a esta questão. Nem é suposto que o possamos estar a curto ou médio prazo.