Da construção da fortificação de S. Jorge da Mina à Web Summit, que terminou há dias, vão 536 anos!

Visando proteger o ouro que chegava do Brasil e as especiarias oriundas da Ásia, D. João II mandou construir esta feitoria, onde eram trocados trigo, tecidos, cavalos e conchas por ouro (até 400 Kg/ano).

A visão de longínquo alcance de D. João II nunca foi acompanhada pela nossa burguesia, que não soube estar ao melhor nível do que se passava com as suas congéneres europeias.

Ora, ao tempo, o que dava poder era exactamente a posse do ouro. E que fez a nossa burguesia de então? Nesse mesmo entreposto, entregou o ouro a flamengos e holandeses por troca de dinheiro, passando a viver à “sombra da bananeira, sem que investissem esse mesmo meio de troca, gastando em sumptuosidades até as bolsas ficarem vazias.

Costumo dizer aos meus alunos que a crise de Portugal não é de agora e radica no século XV, mais propriamente na falta de visão estratégica da classe política então dominante, que não soube acumular a riqueza que dava poder, que não soube investir, para que o nosso país criasse bases de desenvolvimento sólidas, onde hoje pudesse estar ancorado. Por outras palavras, a nossa burguesia não foi empreendedora!

A Web Summit, terminada há dias, é exactamente a demonstração contrária ao que se passou há mais de 500 anos, o evento onde muitos portugueses, mostraram ideias inovadoras, competiram com os melhores dos melhores a nível mundial e demonstraram que Portugal vive momentos históricos, de grande dimensão intelectual, de inovação e de empreendedorismo. Fica por vezes a faltar o financiamento para colocar boas ideias em prática, mas uma das finalidades deste evento é premiar as melhores ideias com financiamento adequado.

Recupero aqui a forma como o nosso primeiro-ministro apelidou o organizador do evento – “o novo Fernando de Magalhães. Creio ser algo exagerado este comentário, mas percebe-se no estertor e na dimensão da visibilidade mundial que regista. Ressalvando as devidas distâncias, a Web Summit veio colocar Portugal na rota do empreendedorismo e dar visibilidade ao que de bom por cá se concebe aos mais variados níveis – cultural, científico, nano-industrial, tecnológico, etc..

Ninguém contestará a evolução registada entre estes dois marcos históricos portugueses. Mesmo considerando o distanciamento dos dois momentos, não só histórico como qualitativo, podemos concluir que foi tempo demasiado para que Portugal e os seus cidadãos mais empreendedores pudessem reagir.

Nada justifica um tempo tão largo em que o atraso se perpetuou. De pouco servirão as desculpas dos últimos 100 anos – com a fase final da monarquia, a 1ª República, o Estado Novo e o aculturamento ao tempo democrático.

Foi muito tempo de gente sem ideias. Da burguesia que só o foi de nome e nunca soube fazer jus ao seu próprio estatuto, ao contrário de holandeses e flamengos.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.