Fazendo jus ao símbolo do seu Partido, Donald Trump reentrou na cena política e económica, como um elefante numa loja de porcelanas. Para lá da imagem paquidérmica que possamos associar à forma como as novas medidas de política comercial e de posicionamento internacional foram anunciadas, a realidade é que o mundo mudou e nada ficou como dantes.

Isto, apesar das reações tímidas e cautelosas da generalidade dos responsáveis dos países vizinhos e europeus que parecem não ter compreendido que não se está apenas a assistir ao simples anúncio de medidas protecionistas, mas em presença de uma mudança qualitativa na relação dos EUA com o Mundo, que se vem desenvolvendo ao longo das últimas três ou quatro décadas e que se acelerou, sobretudo a partir da crise económica e financeira de 2008-2009. Que terá em Trump uma expressão histriónica, mas que se encontra em continuidade com a ação de Biden e mesmo de Obama, no sentido de uma “reterritorialização” do poder da economia americana.

Uma mudança qualitativa cujo desfecho final é ainda impossível de prever, em toda a sua dimensão, na medida em que o que está em movimento é uma radical alteração do sistema de relações de forças e da arquitetura do poder global que se afirmou no pós Segunda Guerra Mundial.

É importante relembrar que o fim do sistema monetário internacional de Bretton Woods terminou precisamente com o anúncio feito pelo presidente Nixon, em agosto de 1971, de suspensão unilateral da convertibilidade-ouro do dólar, suspensão das ajudas externas e a aplicação de uma tarifa excecional de 10% sobre as importações, provocando a primeira crise económica mundial do pós-guerra, a brutal subida do preço do petróleo e o lançamento sobre os países europeus e importadores de petróleo, dos custos da recuperação do papel internacional do dólar. Esta intervenção unilateral dos EUA teve, como contrapartida positiva, a reação imediata dos responsáveis europeus, com a aceleração do processo de integração europeia que levou à criação do euro.

A situação atual é muito semelhante à do início dos anos 70 do século passado, com os EUA a registarem défices na sua balança corrente, agora em estreita articulação com os défices orçamentais e o aumento da dívida pública, onde a maior competitividade europeia poderá ter desempenhado algum papel. Mas a causa fundamental está no modelo de economia global afirmado, a partir do início dos anos 90 do século passado, pela articulação dos EUA com a China, em que esta se integrou na economia global através da ligação privilegiada ao dólar, aceitando investimento direto americano em troca de excedentes comerciais com os EUA, pagos em dólares que eram reenviados para a origem, através da aquisição de títulos americanos.

Este modelo, de parceria tácita EUA-China, entrou em rotura com a crise de 2008-2009, mas não deixou de ter efeitos estruturais na economia global que se prolongaram e acentuaram depois disso, com a afirmação económica, tecnológica, política e militar da China que veio provocar a desestabilização do sistema de relações de força e da hegemonia americana na economia global.

E, se o que vem aí é difícil de prever, a Europa não poderá ser simples espectadora dos acontecimentos, limitando-se a invocar princípios que mais não são do que disfarces para a falta de estratégia e inépcia que a tem caracterizado. De vez em quando, faz sentido reler os clássicos, fundadores da civilização ocidental, como o poeta Horácio e as suas Sátiras.