Portugal tem sido confrontado nos últimos dias com a necessidade de tomada de iniciativas sucessivas que visam mitigar os efeitos da pandemia de coronavírus.

Durante o período em que estiver em vigor o estado de emergência, todos temos de obedecer às respetivas medidas de execução e às autoridades que auxiliem a sua implementação, sob pena de se incorrer na prática de crimes de desobediência ou contra a realização do Estado de Direito com o figurino agora estabelecido.

Pela excecionalidade e inesperado surgimento, o enquadramento jurídico de todos os comportamentos individuais, sociais, culturais e empresariais à luz do estado de emergência é um desafio com soluções, nalguns campos, pouco evidentes.

Em termos genéricos, é possível a criminalização ou o agravamento das penas aplicáveis a comportamentos especificamente relacionados com o estado de emergência e que não o seriam num “estado normal”. E, ainda que idênticas situações posteriormente ocorridas deixem de ser punidas após a cessação do estado de emergência, aquelas que se verifiquem na vigência da emergência e que nesse período sejam identificadas como ilícitos, manter-se-ão puníveis como tal.

Podem colocar-se várias hipóteses. Por exemplo, algumas infrações antieconómicas e contra a saúde pública, previstas no Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro, podem ver as penas aplicáveis agravadas pelo período de estado de emergência.

Nessa hipótese, uma vez decretado o estado de emergência, o crime de açambarcamento – imputável, entre outras situações, a quem, com prejuízo do abastecimento regular do mercado de bens essenciais ou de primeira necessidade, encerrar o estabelecimento para impedir a venda desses bens ou condicionar a sua venda à aquisição de outros bens – que é punido atualmente com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou multa, pode passar a ser punido com pena superior durante o período de emergência. Depois do estado de emergência, porém, as penas deverão ser novamente reduzidas à atual moldura sancionatória.

Se isso acontecer, a empresa ou pessoa singular que faça depender a aquisição de papel higiénico da compra de cosméticos ou gel para a barba, sabendo da corrida aos supermercados para abastecimento de papel higiénico pelas famílias, poderá vir a ser investigada e teoricamente ser-lhe aplicável uma pena superior à que estará em vigor quando for julgada caso o julgamento ocorra após o estado de emergência. A discussão poderá estar em saber se o papel higiénico é um bem essencial ou de primeira necessidade…

Certo é que, independentemente do agravamento ou não das penas por infrações antieconómicas e contra a saúde pública, um regime com mais de 35 anos e pouca aplicação prática, descortina-se, agora, essencial para a regulação da vida em sociedade.