A Portugalidade

Dos ex-Presidentes da República vivos, o General Ramalho Eanes é o único que merece ser ouvido com atenção. Este estatuto, de voz maior da Pátria, conquista-se por percurso, coerência, dignidade e razão recorrente. Ramalho Eanes não tem agenda oculta, não manda recados, dá-nos a garantia de que o único interesse que norteia cada uma das suas intervenções é o compatível com a sua interpretação do nosso interesse colectivo. A entrevista da última segunda-feira a Miguel Sousa Tavares provou isto mesmo.

Cada frase de Ramalho Eanes tem um peso enorme. Quando se insurge contra o “saneamento da história”, há um alarme que soa na sociedade portuguesa, há uma barreira de integridade e bom senso que se ergue contra os saqueadores da ideia de Portugalidade.

A nossa História é um acumulado impressionante de grandes feitos universais, tendo, como todas as outras, os erros próprios do tempo e de contexto. Analisar o passado à luz de conceitos ideológicos presentes é uma perversão intelectual de resultados obscenos, que visa a destruição da identidade e do orgulho que enformam a ideia de pátria. Eanes compreende bem esta guerra cultural em curso, e diz claramente qual é o seu lado, o de Portugal.

Muito importante também, é o enunciado claro que o ex-Presidente faz sobre a guerra. Falou sobre a guerra em geral, e sobre a colonial em particular. Deitou por terra todas as teorias de pacotilha que a esquerda mais desonesta difunde sobre o que alega serem “crimes de guerra”, deixando bem claro o papel de heróis como Marcelino da Mata no contexto extremo em que o foram. Eanes não anda ao sabor das modas do tempo, não se preocupa com likes ou simpatias efémeras, obedece apenas a valores perenes e a uma moral constante. Foram trinta minutos dedicados a apaziguar a consciência da Nação; poucos têm legitimidade e capacidade para o fazer.

Ainda sobre esta matéria, é de elementar justiça relevar a importantíssima afirmação de António Costa na entrevista de 5 de março ao “Público”, rejeitando a ideia de racismo que tentam colar a Portugal e aos portugueses, exaltando os enormes feitos da História de Portugal de forma clara e descomplexada, enquanto português filho do império da diversidade. Um pertinente esclarecimento e o assumido distanciamento dos revisionistas em fúria. Muito bem!

Por fim, a posse do Presidente da República foi feita igualmente de sinais da maior importância. Depois de uma parte mais formal em Lisboa, Marcelo Rebelo de Sousa escolheu o Porto para continuar a ser o arauto da abertura, da solidariedade e da inclusão.

A cerimónia ecuménica que promoveu tem um significado extraordinário, em particular, no seguimento da já histórica visita papal ao Iraque. A escolha que fez, com a espontaneidade que o caracteriza, de visitar com Rui Moreira um dos bairros mais difíceis da cidade, mostra que o Presidente quis incluir rigorosamente todos no momento da sua posse. É o Presidente de todos os Portugueses, sem excepção, como manda a Constituição e ditam os princípios mais elevados. Passará também por aqui a tal “boa surpresa” que Eanes referiu na entrevista.

Era preciso este conforto, este sinal de normalidade; é importante este sinal de coesão e unidade de Marcelo Rebelo de Sousa, e é importante que Ramalho Eanes e António Costa tenham decidido falar em defesa de Portugal e da sua História, antes que os censores e os divisionistas fossem longe demais.

O Centenário do PCP

O PCP fez 100 anos. Sou dos que não encontram absolutamente razão nenhuma para celebrar o comunismo, todo o terror, opressão, fome e morte que evoca; mas encontro razões de relevo para felicitar o PCP nesta data.

Rejeito a ideologia, mas encontro virtude em muitas acções dos homens e mulheres que fizeram a história do PCP em Portugal. Foram a única força política permanente organizada de combate à ditadura. Foram o abrigo político possível de muitos dissidentes do regime. Tiveram sempre integridade intelectual e uma coragem física assinalável.

No momento instável do nascimento da Democracia, preferiram a dureza de uma certa derrota responsável, evitando a guerra civil e a fractura do país. Preconizam a ditadura do proletariado, mas conformam-se nas regras da democracia com um institucionalismo assinalável. Dominam o sector sindical e a “rua”, mas cumprem a lei e a ordem. Num plano mais subjectivo, retêm um certo conservadorismo que agrada a qualquer conservador, independentemente da latitude.

Sim, independentemente da minha rejeição ideológica, de inúmeras discordâncias de percurso, de não ter gostado particularmente da invasão de bandeiras que me lembram mundos de má memória, encontro razões mais do que suficientes para democraticamente felicitar o PCP e os seus militantes no momento em que faz 100 anos de vida.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.