O aquecimento global significa menos gelo. Menos gelo significa maior aquecimento global. Como se diria em bom português, este assunto é uma autêntica “pescadinha de rabo na boca”.

O aquecimento global e o degelo descontrolado são assuntos que estão na ordem do dia e não há dúvidas de que deveríamos olhá-los com mais atenção e implementar mais medidas de forma a evitar as suas consequências negativas. Contudo, o que é verdade para uns, não o é para outros. Há muitas nações e empresas interessadas neste processo porque, embora muitos não saibam, o degelo possibilita a abertura de novas rotas de comércio.

A passagem acima do Canadá sempre foi desejada pelas empresas, mas desaconselhada devido à quantidade de gelo. A passagem pela Rússia retém, também, a atenção de muitas empresas, apesar de continuar a não ser uma opção segura. No entanto, será que nos dias que correm, poderemos continuar a dizer que são uma opção fora do baralho?

Estas alternativas nunca fizeram tanto sentido como agora. Quem não se recorda do bloqueio do Canal do Suez que durou seis dias, em março? A principal rota entre a Ásia e a Europa esteve interrompida, deixando dezenas de navios à espera. Nesses dias, todos os alarmes tocaram e, mais do que nunca, o mundo teve de pensar em possíveis alternativas para o futuro.

Quem não perdeu a oportunidade de oferecer os seus serviços foi a Rússia, que convidou as várias embarcações e empresas em fila de espera a fazer o percurso pela sua costa norte. Além de mais curta, com a diminuição do gelo de ano para ano, esta travessia torna-se cada vez mais uma opção a tempo inteiro. Se há 25 anos, esta rota era navegável apenas durante cerca de seis semanas, hoje pode ser feita entre junho e novembro. Quase meio ano e com tendência a aumentar.

O número de navios a fazer a travessia pelo Norte continua a crescer de ano para ano, mas, segundo o fundador do think tank Artic Institute, de Washington, mesmo que, daqui a 10/20 anos, 100 ou 200 cargueiros façam esse percurso, este ainda será um valor residual de todo o comércio global, uma vez que uma viagem da Ásia para a Europa se torna economicamente viável pelas suas paragens nos portos ao longo do caminho para recolher e/ou deixar a carga. Assim, embora o percurso seja mais curto, pode não ser tão eficiente para algumas empresas.

Agora passemos a números: em 2019, 37 navios fizeram o percurso pela costa Norte da Rússia, enquanto em 2020 esta rota já contou com 62 passagens, o que equivale a 200.000 dólares poupados ao optar por um percurso mais curto. O trajeto pelo Norte da Rússia é 4000 milhas náuticas mais curto comparado com a via Suez. Estes podem ser números interessantes para quem pretende investir numa nova rota e para quem quer estar atento a novas oportunidades: o aparecimento de novas áreas para exploração de gás e petróleo ou o transporte do ferro extraído das minas locais, por exemplo.

Contudo, grande parte dos navios de carga não estão preparados para navegar em águas geladas, o que faz com que esta mudança signifique, também, um elevado investimento em novos navios com capacidade de partir gelo dispensando, assim, uma segunda embarcação para abrir caminho. Algumas empresas, principalmente petrolíferas, já realizaram este investimento para conseguirem aproveitar este percurso que se traduz numa redução de custos significativa.

O aparecimento de novas áreas de exploração irá trazer novas disputas territoriais, antigamente declaradas como águas internacionais e de ninguém, basta que se consiga provar que são uma extensão geológica da sua plataforma para declarar a pertença e adicionar umas milhas náuticas à sua área exclusiva económica. Rússia, Canadá, Dinamarca e Noruega já estão na corrida. Agora, resta-nos explorar esta possibilidade e esperar para ver o que o futuro nos reserva.