Espanha: no próximo domingo, as quartas eleições gerais em quatro anos preparam-se para dar à extrema-direita o estatuto de terceiro maior partido no que foi, outrora, em palavras de Mariano Rajoy “uma das democracias mais prósperas do mundo nos últimos 40 anos”. A prosperidade teve como irmã gémea a corrupção, a real e a ideológica, que tudo contaminou para culminar no separatismo catalão e no esboroar do Estado central, tomado pelo castelhanismo centralista, autoritário e católico de outros tempos, o mesmo que Franco tanto se esforçou por impôr e eternizar no Vale dos Caídos. Veremos o que resta da Espanha “próspera”, a mesma que tem quase 14% de desemprego e de que tanto se orgulhava Rajoy.

Chile: são já quase três semanas de um protesto popular violento originado por um modestíssimo aumento de 3% no metro de Santiago. O Chile é o “poster boy” do liberalismo, invenção de Pinochet e da escola de Chicago, o mesmo que agora entrou no nosso Parlamento. Tudo, quase tudo é privado no Chile. As pensões são privadas. As águas são privadas. O ensino universitário é privado. As estradas são privadas. Há prisões privadas. A boa saúde é privada. A má é pública. O Chile é o segundo país mais rico em rendimento per capita da América Latina. Nas suas ruas veem-se os arranha-céus mais altos da região, as lojas, supermercados e parque automóvel habituais num país rico. No entanto, se as estatísticas e o aspeto são esses, o sentimento das pessoas é outro. Levantam-se contra a desigualdade, a que faz com que tenham que se endividar para pagar propinas, o seguro de saúde e pensões. Ou para completar a reforma média mensal de 370 dólares que os fundos privados para que descontam estão dispostos a pagar-lhe.

Estados Unidos: Trump acaba de iniciar os procedimentos para que o seu país abandone o acordo de Paris. O procedimento demorará um ano e décadas para que os seus efeitos possam ser anulados se Trump ganhar a reeleição. E, se é certo que tal pode não acontecer, a revista “The Economist” garantia esta semana que Trump se mantém muito competitivo nos estados onde a eleição se joga. Se ganhar, o mundo dificilmente recuperará em duas frentes, a do clima e a do equilíbrio internacional. E com elas virá o acelerado declínio da democracia e do seu irmão gémeo, o Estado de Direito naquele importantíssimo país.

México: um narcotraficante é preso por uma força policial militar de mais de 30 homens armados na cidade de Culiacán, uma metrópole de 800.000 habitantes. Trata-se do filho de El Chapo. Em poucos minutos, os seus cúmplices tomam a cidade de assalto e forçam a libertação do seu chefe, deixando dezenas de mortos e feridos no seu rasto. O Estado mexicano vê o seu exército derrotado dentro das próprias fronteiras. Desde esse momento, vários massacres tiveram lugar no país. Hoje mesmo, terça-feira 5 de novembro, uma família de nove pessoas das quais seis crianças foram assassinadas pelo crime organizado. Todos os dias há cerca de 100 homicídios. O Estado, a democracia e o direito estão a desaparecer do México e a dar lugar à organização criminosa, à lei das armas e ao assassinato.

Não vou deter-me sobre os acontecimentos na Venezuela (que há muito deixou de ser uma democracia) e na Bolívia (que em breve, deixará de o ser), na Argentina e no Brasil onde um secretário de Estado afirmou sobre o recente derrame de petróleo que “os peixes são inteligentes, se veem petróleo, eles fogem, têm medo, capitão [Bolsonaro]”. Não vou sequer comentar as vitórias regionais dos partidos de Salvini na Itália e da AfD de extrema-direita na Alemanha. Menos ainda falarei na mais que provável vitória de Boris Johnson nas eleições na Grã-Bretanha.

Este desfiar de constatações apenas serve para nos demonstrar que enquanto existir pobreza e desigualdade gritantes, os demagogos, de direita ou de esquerda, os oportunistas, nem de direita nem de esquerda, mas de qualquer, estarão sempre lá, para manipular e para lucrar do descuido, para explorar mais ainda o explorado, e para colher para si os benefícios do descontentamento, seja em prol de receitas  ideológicas, seja, pura e simplesmente, em dinheiro. A democracia é o poder de todos exercido por alguns. Não o poder de alguns exercido sobre todos.