O mundo já foi grande. Hoje em dia, mercê das novas tecnologias, o tempo e o espaço condensaram-se, e o mundo inteiro está à distância do “agora” e de um clique.

Enorme avanço civilizacional, sem dúvida, mas que acarreta consigo a falsa noção de pertença, participação, liberdade. Navegamos num universo paralelo e virtual, perdendo a pouco e pouco o contacto com a realidade e deixando-nos levar por discursos que parecem fazer sentido num mundo que receamos cada vez mais e no qual nos sabemos mover cada dia menos.

Tudo acontece e se desenrola no universo das redes sociais, onde todas as informações circulam sem pejo, filtro e sobretudo sem contraditório ou fonte de origem que possa atestar a sua veracidade. Nesta realidade, é fácil cair no facilitismo da opinião superficial e emotiva, na manifestação colectiva e no linchamento público.

Os políticos fazem campanha e governam através do Facebook ou do Twitter ou de outra qualquer rede que chegue a um número imenso e diversificado de públicos, de uma forma sintética e imediata, sem conteúdo ou reflexão. Mais. Os tribunais passaram para o fórum público fazendo lembrar outros e negros tempos de justiça popular em praças de mercado.

Imagens como as que circularam na internet, da captura dos fugitivos do tribunal do Porto, são extremamente perigosas porque pervertem o sentido da democracia participativa e da transparência da justiça e não contribuem em nada para uma sociedade mais justa. Pelo contrário, subvertem todas as noções de Estado de Direito, fazendo apelo a emoções e contra-emoções que radicalizam o discurso e dividem a sociedade.

O caso ganhou contornos ainda mais graves quando tais imagens foram colocadas lado a lado com outras de supostas e finalmente falsas vítimas. O facto da sua divulgação ter partido de uma organização que deveria pugnar pelos elevados valores que regem qualquer Estado de Direito e democracia torna-o ainda mais grave. Prestou um péssimo serviço ao sindicalismo, lançando sobre ele uma nódoa de intransigência. E também não fez justiça à corporação a que pertence – levando à leitura de que qualquer fim justifica todos os meios e, sobretudo, lançou na sociedade civil que circula nas redes sociais um julgamento que não lhe cabe.

A justiça não pode ser feita em praça pública! Há direitos dos arguidos que é preciso respeitar – sempre – sob pena de passarmos a barreira que separa o bem do mal e de nos transformarmos, nós próprios, em agressores. Já São Tomás de Aquino dizia que “a Moral e a Lei não se tocam”. Poderíamos acrescentar “e a emoção tão-pouco pode ditar leis e veredictos”.

Discursos fáceis e imagens chocantes são receita imbatível para ditadores e autoritarismos alcançarem o poder sufragados legitimamente. Dir-me-ão: “é a democracia a funcionar”. Não, não é! É a demagogia e a manipulação a utilizarem perversamente a bandeira da democracia para justificarem e legitimarem os seus actos.

Como todos os sistemas, também a democracia tem as suas áreas cinzentas, os seus perigos, mas o maior de todos é o seu desaparecimento.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.