[weglot_switcher]

Dentro de duas décadas, quatro em cada cinco doentes com VIH terão mais de 50 anos

Diretor do centro que coordenou o estudo diz que o sistema de saúde não está preparado para receber as pessoas envelhecidas infetadas pelo VIH.
6 Dezembro 2017, 07h10

A prevalência do VIH entre pessoas com idade igual ou superior a 50 anos tem sido uma tendência crescente, confirmada pelos resultados de estudos realizados recentemente, um dos quais mostra que, em todo o mundo, mais de 4,2 milhões de pessoas infetadas pelo VIH têm, atualmente, mais de 50 anos de idade e que 26% do total terá mais de 70 anos.

Em Portugal, estimativas da evolução da prevalência por grupo etário revelam um cenário preocupante: segundo o nosso modelo, a proporção de pessoas infetadas pelo VIH (PVIH) com 50 e mais anos de idade aumenta dramaticamente ao longo dos anos, de 39% em 2015, para cerca de 80% em 2037, o que representa mais do que uma duplicação.

A conclusão vem expressa num estudo realizado pelo Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência (CEMBE) da Universidade Nova de Lisboa (UNL) e o Centro de Estudos avançados da Faculdade de Ciências Económicas e Empresariais da Universidade Católica Portuguesa (FEUCP), que o Jornal Económico consultou e onde se apresenta uma revisão da literatura para caracterizar os aspetos clínicos-epidemiológicos mais recentes e relevantes associados, bem como uma análise econométrica para a realidade nacional, com o objetivo de estimar a evolução ao longo dos próximos 20 anos do número de pessoas infetada pelo VIH, incluindo as envelhecidas.

Menores de 29 anos vão representar apenas 2%

Uma das principais conclusões é a de que, ao contrário do que acontecia nos primeiros anos da pandemia, a população mais jovem registará dentro de duas décadas uma prevalência reduzida, com o grupo de indivíduos até 29 anos a representar apenas 2% do total, enquanto o grupo da faixa etária entre os 30 e os 49 anos de idade representará 18%.

Esta verdadeira revolução epidemiológica suscita questões relevantes, que as autoridades e a sociedade no seu todo terão de equacionar. Isto porque, em 2037, dos mais de 30 mil “sobreviventes com mais de 50 anos de idade, a maioria apresentará risco acrescido para um vasto conjunto de comorbilidades [doenças que se desenvolvem num paciente que tem já uma doença principal]”.

Esta é uma evolução expectável, ainda que pouco tratada, numa perspetiva de construção de programas de suporte de saúde. A lacuna é confirmada por António Vaz Carneiro, diretor do Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência, que coordenou o estudo.

“Se ainda há milagres em Medicina, a infeção pelo VIH/SIDA é um deles. Nos anos 80, era uma doença aguda com 100% de mortalidade. Hoje em dia é uma doença crónica com uma baixíssima taxa de mortalidade. De facto, foi possível ‘agarrar’ numa doença com a gravidade e especificidade da infeção pelo VIH/SIDA e, através de uma investigação muito bem feita, obter medicamentos altamente potentes – e seguros – que permitem que as pessoas vivam mais três décadas do que no início da pandemia”, começa por apontar, para logo acrescentar: “Transformou-se numa doença crónica pelo que, pelo facto de as pessoas infetadas já não terem uma mortalidade elevada, irão desenvolver comorbilidades comuns à população geral mais idosa. Agravadas no caso da infeção por VIH/SIDA por existir evidência de que os riscos de desenvolvimento de doença cardiovascular, osteoporose, neoplasias não definidoras de SIDA, entre muitas outras são mais elevados em PVIH”.

O problema, aponta Vaz Carneiro, é que o sistema de saúde não está preparado, nem existem sinais de que o esteja a ser, para acolher estas pessoas. “É necessário que se opere uma transformação no sistema”, defende.

O próprio estudo sustenta a ideia de que temos de organizar os serviços às PVIH, mais velhos ou mais novos. Isto porque, defende o Professor da Faculdade de Medicina da Universidade Nova de Lisboa, “o local natural para tratar de doenças crónicas, riscos de saúde e aumento de incidência de doença são os Cuidados de Saúde Primários e não os hospitais, como hoje acontece relativamente às pessoas com infeção por VIH/SIDA”.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.