Que maldito paradoxo! O ar de Lisboa e certamente de todas as cidades da Europa está mais puro e o céu mais azul. Mas este ar é também impuro, está envenenado e mata indiscriminadamente. Dizem cientistas que os vírus não são seres vivos porque não têm estrutura celular. Mas lá que eles “vivem”, não há qualquer dúvida e só têm um objetivo na “vida”. Tal como todos os organismos verdadeiramente vivos: só querem reproduzir-se. O problema é que é à custa dos nossos pulmões.

Há milhões de anos que existem, animais e humanos sempre conviveram com eles. As epidemias virais nunca nos abandonaram nem abandonarão. Alguns são necessários à vida humana e animal e colaboram com as bactérias, de que são cem vezes mais pequenos. Mas o vírus é insidioso e dissimulado. Até as bactérias infetam.

Sabendo-se da sua extrema perigosidade, prevalência e ocorrência permanente, espanta que as autoridades de saúde da maior parte dos estados de todo o mundo não se tenham lembrado de colocar os seus serviços nacionais de saúde, quando existam, em permanente estado de prontidão para enfrentar epidemias virais. Como quem tem um extintor sempre à mão.

Os governos de todo o mundo foram avisados. Num artigo intitulado “Um cataclismo previsto”, Juan Luis Cebrian escreve no El País de ontem, que em setembro de 2019 um relatório da ONU e do Banco Mundial avisava para o perigo sério de uma pandemia semelhante à “gripe espanhola”, que em 1918 matou cerca de 50 milhões de pessoas em todo o mundo (incluindo o avô paterno de Donald Trump, imigrante alemão nos EUA).

A relatora, Gru Harlem Bruntland, antiga primeira-ministra da Noruega, avisou que o mundo está mal prevenido perante uma pandemia transmitida pelo ar. Escreve Cebrian que os governos agora choram lágrimas de crocodilo quando dizem que se não se podia imaginar uma coisa destas.

A ideia de que os governos foram passivos está tomar forma, em particular entre os jovens. Há notícias de jovens que acusam os pais de não terem acautelado o aparecimento da pandemia e de não terem atuado preventivamente. Acho que têm razão. Não estamos mentalmente preparados para admitir a perigosidade da coisa porque obriga a mudar de hábitos – os pequenos e grandes prazeres de hábitos urbanos e sociais são o nosso forte e o nosso fraco, e toda a praxis do Estado e da vida económica.

Verificou-se por quase todo o mundo que os hospitais não estavam, e não estão, preparados para agir sem stresse quando a transmissão se torna epidémica e atinge rapidamente e em simultâneo grande número de pessoas. Pior ainda, para além de alguns líderes orientais e epidemiologistas, muitos responsáveis governamentais entraram em negação nos momentos iniciais cruciais, enquanto outros, a nível autárquico ou provincial, perceberam melhor o perigo e atuaram. Este artigo do “New York Times” explica o que se passou em Itália e retira lições para o mundo.

Ninguém tem um número preciso sobre o número de vítimas que poderão resultar da atual pandemia. Nem matemáticos, bem biólogos, nem epidemiologistas sabem. Nem quando acaba, nem quando poderá regressar, sendo provável que irá regressar depois de aparentemente ter sido debelado nos ainda chamados países “desenvolvidos”, depois de atacar os países ditos “emergentes”. Há quem conte com pelo menos 48 meses de epidemia, com altos e baixos.

Todos os anos há a “época” das gripes. E para essas estamos relativamente avisados e muitos já estão preparados para as enfrentar. Todavia, todos os anos morrem milhares de portugueses em resultado da gripe. Para além desses, é incrível como ainda há tanta gente que, em cima da gripe, morre de frio porque não tem dinheiro para se aquecer. O Estado deveria subvencionar o aquecimento dessas pessoas.

Há uma entidade chamada Programa Nacional de Vigilância da Gripe, que depende do Ministério da Saúde, mas, ao que me parece, não atua preventivamente. Apenas informa reativamente com estudos sobre o que se passou.

Todos os anos morrem mais de três mil portugueses da chamada gripe comum e de frio. Na época de 2017/2018 morreram 3.700 portugueses e na época de 2018/2019 morreram 3.331. Um número brutal, pessoas de todas as idades que passam despercebidos da opinião pública. Há um programa de vacinação, mas nem sempre totalmente eficaz em resultado das variações genéticas dos vírus e do aparecimento de novos vírus, sabe-se lá de onde.

No futuro, na minha opinião, retirando ensinamentos da experiência italiana, para além do governo central, os municípios deverão estar na linha da frente do combate aos vírus. Eles conhecem os recursos locais e as populações melhor do que ninguém. Devem ser devidamente capacitados para ocorrerem rapidamente e com destreza eficaz com medidas iniciais de contenção locais para evitar a propagação de surtos virais.

O que verdadeiramente me preocupa e mais me entristece, são as crianças em idade escolar. O e-Learning é solução já muito experimentada com eficácia no ensino superior, antes sem vídeo, agora com vídeo de professores e alunos. Por vezes, professor ou orientador não são dispensáveis, embora já haja sistemas que funcionam em exclusivo com inteligência artificial.

No secundário é mais complicado. A professora e o professor são insubstituíveis. As máquinas poderão e deverão ajudar a completar o ensino na escola, mas nada, mesmo nada, substitui a escola – os professores, os amigos, os colegas, o local, a rotina, os deveres, o recreio, o sentimento de pertença, o abraço – como elemento fundamental do desenvolvimento da personalidade, aquisição de conhecimentos, amizades, e aprendizagem da vida.

Não havendo aulas, os professores terão pela sua frente um desafio pessoal, muitas vezes doloroso, que é a impossibilidade de verem, abraçarem, disciplinarem os seus alunos. Os estudantes estarão também perante um ambiente escolar quase novo, baseado na Internet, um meio até agora usado para a brincadeira, o que impõe um estilo de disciplina diferente e difícil de pôr em prática e cuja execução rotineira é da permanente responsabilidade de pais e filhos, exigindo um grande esforço, sacrifício, persistência, resiliência, tempo, paciência, solidariedade e paz conjugal.