1. A sucessão de crises que, desde 2007/8, chegaram a abalar os próprios fundamentos da UE, chamaram a atenção para o interesse em reformar a arquitetura institucional que, desde o Tratado de Maastricht, enquadra a União Monetária. Em particular, para a necessidade de institucionalizar mecanismos e instrumentos capazes de ajudar a absorver e a reagir a choques sistémicos que ameacem fragmentar os mercados do euro.
No entanto, na ausência de decisões políticas – sobretudo como resultado das posições de intransigência da Alemanha – o BCE foi forçado a assumir uma posição central na resposta às pressões que, ao longo da última década, ameaçaram a coesão da Zona Euro e a própria Moeda Única.
Através de operações de política monetária não convencional (QE), foi o BCE e o Sistema de Bancos Centrais que passaram a garantir o financiamento dos Estados, enquanto estabilizavam os mercados financeiros do euro. Esta atuação que foi impulsionada por Mário Draghi e prosseguida por Christine Lagard, criou um precedente com implicações técnicas e políticas de grande complexidade. Politicamente, colocou o BCE na mira dos movimentos políticos nacionalistas que não aceitam que tecnocratas não eleitos disponham de poderes com capacidade para influenciar decisivamente a evolução da União Europeia.
Para além disso, a intervenção do BCE apenas adiou a resposta aos problemas estruturais e aos desequilíbrios que continuam a enfraquecer a capacidade da EU para responder, simultaneamente, aos bloqueamentos internos que travam o crescimento económico e aos desafios colocados por um contexto político, económico e financeiro mundial em mudança rápida. Em particular, os que decorrem da ação da Administração Trump.
2. Tendo presente este contexto, compreendemos a complexidade e o alcance dos problemas e dos desafios com que o próximo Governador do Banco de Portugal se vai deparar.
Problemas e desafios que se colocam a dois níveis. A nível interno, estará colocado perante uma dupla responsabilidade: por um lado, preservar a estabilidade do nosso sistema financeiro – que em grande parte corresponde à estabilidade e solidez dos mercados bancários e que passa por manter um modelo de supervisão competente e eficiente, tanto de um ponto de vista institucional como regulamentar – por outro lado, reorganizar e modernizar os nossos mercados financeiros, de modo a dotá-los com os instrumentos e produtos necessários ao apoio ao crescimento e ao desenvolvimento económicos.
A nível externo, contribuir para que seja, por um lado, adotada uma política monetária capaz de assegurar, para toda a Zona Euro, um ambiente macroeconómico indutor de crescimento – sem prejuízo da estabilidade dos preços – e, por outro, de impulsionar um movimento dirigido à reorganização da intermediação financeira através, sobretudo, do desenvolvimento de um mercado de capitais, integrado a nível da Zona Euro.
Para além disso, o BCE vai ter de encontrar respostas para a importância crescente das moedas tecnológicas, quer se trate de cripto moedas, de “stablecoins” ou de moedas digitais oficiais.
Acresce que o impacto da atuação da Administração Trump sobre o dólar está claramente a abrir uma janela de oportunidade para que o euro assuma um papel cada vez mais importante nos mercados financeiros internacionais. Para tal será, no entanto, necessário criar na Zona Euro condições para o desenvolvimento de mercados financeiros integrados e reduzir o atual nível de fragmentação que, em grande parte, reflete ainda a crise financeira de 2007/8. Questões que, em grande parte, dependem da ação futura do BCE.
3. O próximo mandato do Governador do Banco de Portugal inicia-se assim num momento particularmente complexo e difícil, mas em que se abrem janelas de oportunidade para a consolidação do grande projeto de integração monetário/financeira da Europa.
É um momento em que o BCE está a chegar ao fim de um ciclo de reduções sucessivas das taxas de juro diretoras, num esforço para contrariar as pressões recessivas com que se debatem as principais economias do euro, como é o caso da Alemanha e em que é crucial uma reorganização institucional que permita uma maior articulação entre a política monetária e as políticas Fiscais/orçamentais conduzidas pelas economias do euro.