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Desafios dos CTT: reconquistar a confiança dos investidores

Lucros em queda, dividendos cortados, reestruturação dolorosa e metas falhadas. Francisco Lacerda não sobreviveu à tempestade dos CTT e perdeu a confiança de Manuel Champalimaud. O próximo CEO, que deverá ser João Bento, não terá tarefa fácil: convencer os investidores de que os correios podem voltar ao destino certo.
13 Maio 2019, 07h43

Resultados e estratégia, pressão política e social, desvalorização da cotação. Francisco Lacerda não resistiu aos problemas do CTT e na sexta-feira apresentou a demissão “por entender ser do interesse da sociedade proceder a uma transição de liderança da equipa executiva dos CTT nesta fase”.  O comunicado divulgado no site da CMVM não oficializou o nome do sucessor de Lacerda, mas o Jornal Económico sabe que deverá ser João Bento a liderar os correios.

Até agora administrador não-executivo do Grupo CTT, João Bento é também vice-presidente do Grupo de Manuel Champalimaud, maior acionista individual dos CTT com 12,58% do capital social. Neste momento de transição, o JE faz o retrato dos principais desafios que o novo CEO irá enfrentar: este sobre o desempenho do título em bolsa, um sobre a pressão política para a nacionalização e outro sobre a estratégia do grupo.

Na quinta-feira, um dia antes da comissão executiva liderada por Lacerda se ter demitido, as ações dos CTT tombaram 3,57% para um novo mínimo de sempre, uma cotação de 2,324 euros. No dia seguinte, na sessão que antecedeu a oficialização da partida do CEO, as ações recuperaram parcialmente, 0,77% para 2,342 euros.

Quem comprou na privatização, lançada em novembro de 2013 a 5,20 euros por ação, e manteve o título em carteira, sofreu uma desvalorização de 57,5%.

O principal problema para Lacerda nem é que as ações tivessem tido mais sessões como as de quinta, a tombar, do que a de sexta, a subir. Num estranho empate, nas 1.384 sessões em bolsa até a última sexta-feira, as ações dos CTT desceram em 675, subiram em 676 e fecharam inalteradas em 33. O problema foi que as sessões de quedas tiveram muito mais impacto do que as positivas.

O primeiro ano após a privatização nem tinha corrido tão mal. O dia da entrada em bolsa, 5 de dezembro de 2013, não animou imediatamente os investidores, mas as ações ganharam fôlego em 2014, ano em que uma segunda fase da privatização foi considerada “um grande êxito” pelo então ministro da Economia, António Pires de Lima. A 24 de março, o título entra no índice PSI 20 e ss acionistas da empresa aprovaram, com “mais de 90% dos votos”, a recondução da administração liderada por Lacerda.

No exercício desse ano, um brilharete: as receitas subiram e os gastos desceram, permitindo um disparo de quase 27% no lucro. A rentabilidade permitiu à empresa pagar um dividendo por ação de 0,465 euros, quase a totalidade do resultado líquido de 0,51 euros por ação. Os CTT ganhavam a reputação de ser uma cotada que remunerava bem os acionistas.

Antes da divulgação dos resultados dos primeiros nove meses de 2015, a 4 de novembro, o título tocou no máximo de sempre: 10,49 euros por ação, mas a partir dessa altura as boas notícias iriam ser mais escassas. Os oito maiores tombos das ações aconteceram depois dessa data e acabaram por ajudar a selar o destino da administração de Lacerda.

Logo no dia seguinte, um tombo de quase 10%, provocado por receios sobre os custos operacionais para lançar o BancoCTT e, principalmente, a incapacidade de a empresa estancar ou encontrar alternativas para a quebra no negócio de correio tradicional. Os dois anos seguintes vieram confirmar a tendência. As receitas caíam, os gastos operacionais aumentavam, a cotação mantinha-se em curva descendente, mas o dividendo continuava a aumentar.

Reestruturação não impede quedas

O nadir chegou a  1 de novembro de 2017. Após o anuncio de um tombo de 57% nos lucros dos primeiros nove meses de 2017, as ações afundaram 21,68% num dia, contribuindo para o título registar o pior desempenho no PSI 20 no ano, com uma queda de mais de 45%, num ciclo em que o índice disparou 15%.

O anúncio dos resultados foi acompanhado por um corte de 20% no dividendo, para 0,38 euros, relativo ao exercício de 2017 e a promessa de um doloroso plano de reestruturação. Os bancos de investimento apressaram-se a cortar as recomendações e os preços-alvo, levando a cotação para o nível mais baixo de sempre, à altura, nos 3,04 euros, a 27 de novembro.

Após um pequeno período de fôlego, os problemas continuaram. Os resultado caíram, de 62,116 milhões em 2016, para 27,26 milhões em 2017 e 19,62 milhões no ano passado. A acompanhar estas quedas, tombos nas ações. Os resultados de 2018, anunciados em fevereiro, provocaram uma queda de 8,11%.

Se o negócio tradicional é um dos calcanhares de Aquiles dos CTT, o outro é a política de dividendos.  Nos primeiros anos após a privatização em 2013, a empresa pagou dividendos definidos em valor absoluto. Em 2017, pagou 0,48 euros por ação referente ao exercício do ano anterior.

No entanto, no contexto do plano de transformação, a política foi alterada para o valor ser definido em função dos resultados. Ainda assim a remuneração acionista foi de 0,38 euros por ação para o exercício de 2017, o que representou um total de 57 milhões de euros em dividendos, ou um payout ratio de 207% face ao lucro. Em fevereiro, Lacerda anunciou um dividendo de 0,10 euros por ação em relação ao exercício de 2018, o que representa um rácio de 76,5%.

Confiança retirada

Com os desafios a acumularem, Francisco Lacerda não tinha fica imune à pressão dos acionistas. O  Jornal Económico noticiou em janeiro de 2018 que os fundos de investimento internacionais que têm a maioria da empresa (Global Portfolio Investments, Wellington Management Group, Norges Bank, Credit Suisse Group AG, Kairos Partners SGR, Goldman Sachs entre outros) foram ter com a Gestmin de Manuel Champalimaud (maior acionista com 11,26% na altura, hoje com 12,58%), quando as ações dos CTT caiaram a pique depois da empresa ter anunciado a queda dos lucros dos nove meses de 2017.

O objetivo dos fundos era unirem-se para convocar uma Assembleia Geral para mudar a administração, Manuel Champalimaud refreou os ânimos e foi decidido que o Conselho de Administração teria de cooptar um novo administrador financeiro.

Esse apoio acabou, no entanto, por se esgotar. O  Jornal Económico noticiou na edição impressa de 26 de abril que um conjunto de acionistas recusou aprovar o voto de confiança à administração dos CTT durante a assembleia geral, que se realizou no passado dia 23. Neste grupo de acionistas estavam incluídos Manuel Champalimaud e Steven Wood, que detém 5%.

Mas não são só grandes acionistas dos CTT cuja confiança Francisco Lacerda perdeu. O Jornal Económico teve acesso a um email enviado ao presidente da assembleia geral dos CTT, Júlio de Castro Caldas, por um grupo de pequenos acionistas, com data de 26 de abril de 2019, onde manifestaram algum desagrado para com o conselho de administração dos Correios.

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