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‘Portugal Inteiro’: descentralização continua a ser um imperativo de desenvolvimento

Silva Peneda, presidente do Conselho Geral da UTAD, e Rui Santos, presidente da Câmara de Vila Real, convergem na necessidade de o país largar as amarras das áreas metropolitanas.
14 Julho 2019, 10h00

Não é preciso sair muitos quilómetros para lá da linha costeira para se perceber que no Portugal que não fica no litoral – mas principalmente no Portugal que não fica nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto – a descentralização continua a ser observada como um imperativo de desenvolvimento sustentado e de esbatimento do gap que afeta duas geografias que a própria democracia cavou.

A presença em Vila Real de Trás-os-Montes do ciclo de conferências Portugal Inteiro – desta vez com o ‘subtítulo’ Inovação: o interior como oportunidade – uma parceria entre o grupo Altice e o Jornal Económico, permitiu mais uma vez que esse imperativo se tornasse evidente. E não é, longe disso, uma questão geracional: desde o antigo ministro do Emprego e Segurança Social entre 1987 e 1993 aos vários jovens que participaram na conferência na qualidade de representantes de várias empresas e startups ‘recém-nascidas’, todos convergiram nesse sentido.

Desta vez na dupla qualidade de presidente do Conselho Geral da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) e de keynote speaker da conferência, Silva Peneda teve oportunidade de referir que, de uma forma geral, as desigualdades territoriais são um obstáculo ao desenvolvimento. Nesse quadro, Portugal é um bom (mau) exemplo: “uma faixa de 25 quilómetros a partir do mar concentra 60% da população; o interior tem apenas menos de dois milhões de habitantes e a percentagem dos jovens concentrados junto ao mar é de 82%”. “Se nada for feito, o país vai continuar a perder por duas vias: o interior será uma zona cada vez mais limitada” e o litoral cada vez mais problemático.

O antigo ministro social-democrata disse que propôs um conjunto de medidas a favor do interior, já apresentadas quer ao Governo de António Costa quer ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. E elencou alguns pontos: regime fiscal com discriminação positiva – nomeadamente para os grandes projetos; aumentar o apoio de fundos estruturais europeus de 25% para um máximo de 45%, como sucede nos Açores; e obrigar todos os projetos acima dos 25 milhões de euros a rumar ao interior.

Tudo isto num quadro em que a descentralização está em cima da mesa. Mas marca passo: vai necessariamente ‘resvalar’, na melhor das hipóteses, para a próxima legislatura, como se ninguém (na cúpula dos partidos do chamado arco da governação) estivesse verdadeiramente convencido das suas bondades.

“As alterações propostas, para serem eficazes, têm de ser radicais. Mas não chegam”, recordou ainda Silva Peneda, que tem larga experiência sobre a matéria no que se refere à forma como os partidos gerem o assunto. É isso que o leva a afirmar que “continuamos a hesitar” quando a questão é a regionalização, e de seguida evocou o exemplo espanhol da Galiza para confirmar que esse desígnio tem provas dadas.

Mas não se esqueceu do lugar onde estava: “o caso da UTAD” é outro exemplo. “Uma universidade deve privilegiar a investigação, mas não chega: inovação, ligação às empresas e ao setor produtivo e o seu funcionamento em rede – nomeadamente no seu core de atividade”, são fatores fundamentais que fazem a ponte para o desenvolvimento da geografia em que a academia estiver inserida.

O lado da autarquia
Antes da intervenção de Silva Peneda, o mote para o debate tinha sido dado por Rui Santos, presidente da Câmara de Vila Real, que quer, como possivelmente todos os seus pares, que o poder central se apresse em devolver ao interior o seu papel de equilíbrio. Do próprio litoral, como afirmaria Silva Peneda.

Tendo “as autarquias um papel decisivo no desenvolvimento de Portugal e na consolidação da democracia”, o poder local tem também um papel fundamental no desenvolvimento da economia, disse Rui Santos – para reclamar que, se o país tem um problema de excesso de endividamento público, ele não ficará por certo a dever-se às autarquias.

E recordou que a proximidade com os problemas, sejam eles quais forem, faz com que “este seja o momento certo para a descentralização”. Ou então não: nas eleições de 2017, os autarcas foram mais uma vez apresentados como o melhor que há em Portugal, mas, passado o período eleitoral, esses ‘melhores’ são novamente abandonados à sua obrigação de viverem com muito pouco.

Os autarcas parecem estar fartos disso: “o processo de descentralização terá de passar pela transferência de competência” a todos os níveis – “financeiro, humano, patrimonial”, entre outros, disse Rui Santos.

O presidente de Vila Real disse que “a excessiva concentração nas áreas metropolitanas começa a ser extremamente difícil e cara. Ignorar parte do território é mau para o interior e mau para o litoral”. Vila Real apresenta, neste particular, “mudanças subtis”: a “litorização” induzida pelo Túnel do Marão; os custos de localização empresarial e os custos de contexto; e a constatação de que a autarquia está direcionada para o desenvolvimento, são as caraterísticas relevantes destacadas por Rui Santos.

Artigo publicado na edição nº 1995, de 28 de junho, do Jornal Económico

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