O problema da presente organização do Estado português seria menos grave se não se refletisse da pior maneira na vida das pessoas. A título de exemplo, o poder político municipal gere cidades concelhias. As pessoas vivem, cada vez mais, em cidades metropolitanas.

Quem gere as cidades metropolitanas? Ninguém. Podem as pessoas pronunciar-se, política e democraticamente, sobre os problemas metropolitanos que as afetam? Não podem. E assim acontece porque não têm interlocutores políticos adequados para o efeito.

Acresce que, com o passar do tempo, a escala municipal deixou de ser a mais apropriada para muitas das decisões de investimento em equipamentos feitas pelos autarcas. O facto justifica, pelo menos em parte, a multiplicação municipal desnecessária de alguns dos equipamentos, o que se verifica um pouco por todo o país.

O Estado português é, do ponto de vista organizativo, como um exército só com generais (poder central) e soldados (poder local municipal), sem capitães (poder local regional). À margem da experiência organizativa de Estado da grande maioria dos países da OCDE, parte das elites nacionais (políticas, jornalísticas e outras) insiste em diferenciar o Estado do país desta maneira, colocando-o com um dos níveis mais baixos de despesa subnacional na OCDE, desperdiçando recursos e sacrificando desenvolvimento.

São várias as razões que justificam esta atitude. Apontamos em seguida algumas cuja natureza é sociológica:

a) Um Estado com capitães (regiões) pode dar origem a uma espécie de 25 Abril administrativo, em particular quando o processo de reforma em curso da administração central do Estado a faz tender para algo do tipo brigada do reumático;

b) O sucesso na mobilidade social, que o pós Segunda Guerra Mundial e o 25 de Abril permitiram ao país, a pertença às elites oriundas dos diferentes territórios do país que as famílias, a universidade e o 25 de Abril patrocinaram em Lisboa, são confundidos, por alguns, com o seu mérito individual. O amor-próprio e o amor pelo país são apreendidos pelos mesmos como se fosse uma e a mesma coisa. Para estas pessoas, o problema do país não é o ‘eu’, mas, sim, os ‘outros’. O país não sobrevive sem o ‘eu’, seria um caos, por causa dos ‘outros’. Esta perspetiva autocentrada do mundo coloca as referidas pessoas a querer tomar ou influenciar todas as decisões no país a partir do local onde residem – Lisboa capital;

c) O interior, conceito algo abstrato que apareceu em força no discurso político do poder central com a tragédia de Pedrógão, dá palco e protagonismo aos agentes políticos centrais enquanto escândalo mediático. Em vez de dar voz política aos portugueses que vivem nos territórios esquecidos de baixa densidade populacional, os referidos agentes utilizam este novo palco para a sua afirmação. Em vez de apostar na atração e qualificação de recursos humanos e em novas formas de gestão localmente participadas dos territórios de baixa densidade, o problema é reduzido a um de incentivos fiscais;

d) O país tem uma cultura organizacional muito hierárquica e retórica, pouco funcional, dominada pelo medo de falhar e pela desconfiança. Esta cultura também está instalada no Estado. A este nível, aprendemos pouco, nestes anos de integração europeia, com os nossos parceiros do centro-norte da Europa. O “eu é que sou o presidente da Junta” sobrepõe-se, muitas das vezes, ao funcionamento competente das organizações.

Os secretários de Estado gastam uma boa parte do seu tempo a reunir com os autarcas, na capital, para lhe concederem ou não as mais diversas autorizações. A pegada ecológica associada a estes exercícios de beija-mão é grande. Por sua vez, o medo de falhar impede a aprendizagem com os erros e a desconfiança impossibilita a cooperação entre os diferentes níveis de Estado e, em última análise, a própria existência de um nível intermédio de Estado no continente português.