A Constituição da República Portuguesa de 1976 consagrou, no continente português, a eleição de dois poderes políticos: o central e o local municipal. Apontou também para a instituição de regiões administrativas e/ou autarquias regionais eleitas, no continente e nas ilhas, instituição que nunca chegou a acontecer no continente.
Em 1998, tendo em conta as divergências existentes sobre esta matéria no seio da classe política de então e algum tacticismo partidário de ocasião, o atual Presidente da República (na época líder do PSD na oposição) combinou com o atual Secretário-geral da Organização das Nações Unidas (na época primeiro-ministro de Portugal) um referendo à instituição em concreto das regiões administrativas no continente do país.
No que refere à Pergunta 1 (Concorda com a instituição em concreto das regiões administrativas?), os resultados do referendo de 8 de novembro de 1998 foram no sentido da rejeição da referida instituição. Assim, votaram pelo ‘sim’ 1.458.132 votantes (34,96%), pelo ‘não’ 2.530.802 (60,67%), votos brancos foram 40.675 (0,98%) e a taxa de abstenção alcançou os 51,71%.
Com mais de metade dos eleitores a não comparecer nas urnas, o referendo de 1998 não foi vinculativo. Todavia, o atual Presidente da República considera que, para a instituição em concreto das regiões no continente português, “há que garantir que em todas as regiões há ‘sim’, que em geral há ‘sim’ e que há uma maioria de votantes, superior a 50%” (Lusa, 30 Novembro de 2019). Entre outros, o pormenor do vinculativo (maioria de votantes) não é de somenos.
Até ao momento, nenhum dos referendos em Portugal contou com a participação de mais de metade dos eleitores. Acresce que a abstenção tem crescido em todas as eleições, sendo que atingiu os 51,43% nas eleições legislativas deste ano. Por outras palavras, o Presidente da República está a dizer que não quer as regiões e que fará tudo para as travar, como fez em 1998, na condição de líder partidário.
E que sucedeu a partir de 1998? O ‘não plural’ da campanha, vitorioso, rapidamente se converteu num ‘sim único’ à centralização, concentração e relocalização do Estado central em Lisboa. Ou seja, desde então, o caminho foi no sentido de eliminar boa parte da administração desconcentrada dos ministérios do poder central e, consequentemente, enfraquecer o papel de coordenação das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDRs).
A extinção das estruturas desconcentradas do Instituto Nacional de Estatística (INE), que suportavam o pensamento estratégico das CCDRs da época, diz muito sobre todo o processo. A geometria territorial variável dos diferentes organismos dos diferentes ministérios também. No caso dos incêndios florestais, a última obrigou à criação de uma estrutura de missão para ultrapassar os problemas organizativos do Estado central e conseguir acudir à emergência. Quanto à reforma do Estado central, que não a destruição do mesmo, foi, continua e continuará a ser adiada.
O poder político central do país tem tido uma postura europeia incoerente com a sua atuação interna. Defende a coesão e a subsidariedade até à fronteira e o seu oposto da fronteira para dentro. As coisas podiam ser ainda piores, não fosse a União Europeia impor abordagens territoriais na aplicação dos fundos de coesão, como as Estratégias Integradas de Desenvolvimento Territorial (EIDT). Para captar os referidos fundos, o país esforça-se por ter ou, pelo menos, fingir que tem, perante a União, estas últimas, recorrendo à figura, no entretanto criada, das associações municipais de fins múltiplos.