“O tempo perguntou ao tempo, quanto tempo o tempo tem. E o tempo respondeu ao tempo, que o tempo tem tanto tempo, quanto tempo o tempo tem.” – adágio popular

Os tempos são diferentes hoje, e não me refiro apenas aos sinais dos tempos. A perceção sobre a importância sazonal das estações e intempéries mudou bastante, e as preocupações de hoje sobre o “tempo” vão muito além das nossas preocupações simplificadas de antigamente sobre se hoje faria chuva ou sol. Na sociedade atual, as preocupações sobre as condições climatéricas vão muito além da meteorologia, e assentam num despertar societário para os efeitos do aquecimento global e das alterações climáticas. Esta nova causa civil deverá influenciar de forma decisiva as agendas políticas da próxima década e moldar novos líderes.

É preciso dizê-lo, o debate sobre a inevitabilidade de um desastre climático e aquecimento global não é consensual, e vários observadores apontam esta frente como sendo na realidade entre uma agenda económica que opõe lóbis económicos dos combustíveis fósseis aos da nova economia verde.

Mito urbano ou realidade, a emergência climática tem merecido a atenção das grandes instituições internacionais, e se a comunidade científica que a defende estiver correta, o mundo poderá, dentro de dez ou quinze anos, enfrentar alterações significativas no seu ecossistema (como a subida do nível do mar) resultantes do aumento médio da temperatura global – pelo que fará todo o sentido ter, pelo menos, um plano que ajude a inverter esta situação. Mas por onde começamos? Como descodificar o segredo do caminho para um mundo que produza, num prazo razoável de tempo, carbono zero?

Um mundo mais populoso e economicamente mais sincronizado não ajuda

De acordo com estudos produzidos pela comunidade científica existe um limite máximo de emissões de dióxido de carbono que o mundo pode produzir, barreira que quando ultrapassada tem uma elevada probabilidade (50%) de provocar uma subida das temperaturas médias do planeta em 1,5 graus centígrados. Este limite, que é medido em giga toneladas de dióxido de carbono (ou GTCO2), é de cerca de 580 giga toneladas, sendo que ao ritmo atual anual de emissões deverá ser atingido dentro de dez a quinze anos. A partir desse momento, e de acordo com o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas – que produziu um relatório para as Nações Unidas – teríamos que reduzir para zero as emissões, sob pena de vermos subir progressivamente as temperaturas médias no planeta nas décadas seguintes.

Acresce que a população mundial continua a crescer ao mesmo tempo que algumas grandes economias deverão manter ímpetos de crescimento económico acelerados – como tem sido o caso da China e Índia – o que irá traduzir-se em maiores consumos energéticos em virtude das também maiores exigências associadas ao aumento do nível de vida das populações. Isto significa que a procura de energia vai aumentar e, consequentemente, os níveis anuais das emissões de carbono também, podendo escalar os impactes sobre as alterações climáticas e respetivo tempo disponível para reestruturar o ecossistema energético mundial.

Na verdade, os países emergentes são ao mesmo tempo o risco e a solução. Atualmente, mais de metade das emissões de dióxido são provenientes da China, Estados Unidos, União Europeia e Índia. Nos próximos 30 anos, Índia e China, em conjunto, serão responsáveis por 60% das emissões, o que levanta riscos, mas também uma oportunidade, visto o processo de alteração dos padrões de consumo poder ser estruturado de raiz em vez de modificado – cenário esse que cria maiores barreiras e resistências à mudança.

A eletrificação global é o caminho natural…

A maior parte das análises é consensual relativamente à opção tecnológica que deverá vingar durante este processo. A forma mais eficaz que existe de reduzir a utilização de combustíveis fósseis passa por uma massiva transição para as soluções elétricas.

Mais de metade das emissões atuais de dióxido de carbono têm origem nos transportes e na indústria. Nos transportes reside o grande incentivo e ambição de uma reestruturação muito ampla, senão total, de veículos elétricos. Existem aqui desafios mais específicos relacionadas com o grau de penetração dos veículos elétricos, que devem ser dirimidos de forma dual – colocando incentivos à aquisição destes carros e, por outro lado, incentivando a desativação e abate dos veículos movidos a combustíveis tradicionais.

Outro desafio interessante dentro do sector dos transportes prende-se com áreas que apresentam maior rigidez na transição tecnológica, caso da aviação e do transporte de mercadorias, nomeadamente aéreo e marítimo. Nestas áreas muito se pode ainda desenvolver, em particular no que respeita à criação de combustíveis menos poluentes em conjugação com tecnologia específica inovadora. Processo que levará ainda o seu caminho até se poder abdicar completamente das soluções atuais.

A indústria também terá uma grande revolução pela frente, uma vez que a maior parte das infraestruturas assenta na utilização de combustíveis fósseis, designadamente em termos de produção e aquecimento. O desafio assenta nos incentivos e regulação que podem ser criados para espoletar uma reestruturação massiva das manufaturas que apostem na eletrificação. Ainda em termos de infraestruturas, para além da indústria existem outras frentes de interesse que estão no parque imobiliário, como o residencial e comercial. Os edifícios têm de começar a ser reconvertidos progressivamente, com vista a aumentar a sua eficiência energética, sobretudo no que diz respeito às soluções de climatização e aquecimento.

 … mas é um processo que vai implicar grandes alterações no setor energético e elevados custos

Importa também perceber que uma massificada eletrificação mundial tem implicações profundas e disruptivas no setor de produção de energia, desde logo porque aumenta de forma incontornável a necessidade de produção de eletricidade, e a lógica como estamos habituados a ver a integração da produção dentro dos diversos sectores chave que dela dependem (como a mobilidade), e das novas necessidades a que abre a porta – como, por exemplo, o armazenamento de energia.

Por fim, o desafio é aquilo que aparenta ser. De elevadíssima monta, e apenas comparável aos custos que pode comportar. A agência Internacional de Energia (AIE) estima que a transição para uma realidade de emissões de carbono zero implica um esforço de investimento anual de 380 mil milhões de dólares por ano, só até 2025. Depois disso, o montante em causa pode aumentar significativamente para valores cerca de quatro vezes superiores mas, de acordo com a AIE, até poderão ser economicamente viáveis (estimam-se os custos em cerca de 461 mil milhões de dólares por ano após 2025) se tivermos em consideração o desconto associado ao investimento necessário para continuar a explorar os combustíveis fósseis do planeta.

‘Bottom’s up’: uma mudança inevitável?

A eletrificação massiva global aparenta ser a solução técnica que permitirá lidar com o contrarrelógio climático da próxima década, sendo que promete alterações significativas nos nossos hábitos de vida. Mesmo que o tempo venha a provar que os cientistas que alegam a inexistência de uma emergência climática têm razão, a transição para uma tecnologia mais limpa e verde poderá comportar benefícios económicos e de maior sustentabilidade ambiental e de gestão dos recursos a médio prazo.

Certo é que existe por detrás desta revolução todo um rol de obstáculos, que obrigarão a um compromisso complexo e difícil de alcançar entre instituições, ou agentes institucionais nacionais e supranacionais. A mudança parece ser assim inevitável, e não apenas pela emergência climática, mas porque os combustíveis e o ecossistema económico em torno do sistema tradicional se tornará rapidamente obsoleto.