Os pedidos de desculpa campeiam, mas o terreno é movediço. A Apple pediu desculpa por problemas no iPhone 4 e na sua aplicação para mapas e pelo modo como tratara clientes chineses. A Volkswagen pediu desculpa após ver a sua reputação enlameada pelo escândalo das emissões poluentes. O Deutsche Bank pediu desculpa por “erros graves”. A vida política, nacional e internacional, também é pródiga na matéria. João Soares, então ministro, pediu desculpa por ter prometido dar “salutares bofetadas” a colunistas. Um senador norte-americano pediu desculpa por ter sugerido que prestara serviço militar na Guerra do Vietname – quando, na verdade, o tinha prestado durante a mesma. Trump, o homem que não pede desculpas, pediu meias-desculpas durante a campanha eleitoral por expressões menos recomendáveis sobre as mulheres. Passos Coelho, antes de assumir funções de PM, pediu desculpa por ter apoiado medidas de austeridade. A Alemanha pediu desculpa pelas malfeitorias nazis. Duterte, o desbocado Presidente das Filipinas, pediu desculpa depois de ter insultado Obama.

O mundo desportivo não é imune ao fenómeno. Ronaldo passou uma “noite de sábado a pedir desculpa aos colegas de equipa através do WhatsApp”, depois de ter afirmado que “se todos estivessem ao meu nível, estávamos em primeiro”. A Federação Portuguesa de Natação exigiu um pedido de desculpa a Rui Vitória, por este ter afirmado que, se desejasse outra carreira, “ia para a natação: estava sozinho debaixo de água, batia com a cabeça na parede e voltava para trás”. Éder, o patinho feio da seleção de futebol que se transformou em ídolo, foi premiado com um site para lhe pedir desculpas!

Num mundo fortemente mediatizado, até os media pedem desculpas. O Expresso pediu desculpa, em 2012, por ter concedido tempo de antena a Artur Baptista da Silva, o burlão que se fez passar por consultor da ONU. O jornal francês 20 minutes pediu desculpa por ter chamado “nojento” ao jogo da seleção portuguesa de futebol, durante o Euro de 2016. Na Alemanha, o Bild pediu desculpa por ter publicado uma notícia falsa sobre alegados abusos sexuais perpetrados por árabes.

As desculpas no mundo empresarial, desportivo, mediático, social e político são, pois, mais frequentes do que pode parecer à primeira vista. São um mea culpa destinado a reparar danos, a restaurar a confiança, a afastar as atenções de eventos ou ações questionáveis, ou a salvar a pele. São, todavia, um terreno complexo, escorregadio e repleto de ambiguidades. Nem sempre representam verdadeiras desculpas. Podem mesmo ser uma estocada nos ofendidos. Quando João Soares afirmou “Peço desculpa se os assustei”, não estava apenas a pedir desculpa. Quando Reagan afirmou, a propósito do escândalo Irão-Contras, que “foram cometidos erros”, estava a sacudir a água do capote sem dar a entender que a sacudia. Quando Sheryl Sandberg pediu desculpa porque uma experiência que manipulava as emoções de utilizadores do Facebook foi “mal comunicada”, e alegou que “nunca quisemos incomodá-lo”, estava a tentar reparar danos. De facto, a experiência pretendia incomodar algumas pessoas e testar as suas reacções. Foram meias-desculpas.

As acrobacias linguísticas podem, eventualmente, ser legítimas. Mas é preciso atender a dois aspetos. Primeiro: pedidos de desculpa mal feitos podem ser achas para a fogueira da revolta dos ofendidos. Segundo: um pedido de desculpas integral requer reconhecimento do erro, mostras de empatia pelos lesados e, se for o caso, ações reparadoras. Um genuíno pedido de desculpas envolve honestidade, generosidade, humildade, empenhamento e coragem. Não se requer que as pessoas, designadamente os líderes, peçam desculpa por tudo e por nada. Mas é recomendável que o façam quando necessário – para benefício dos lesados, deles próprios e das suas organizações, e da comunidade em geral. Pedir desculpa é um ato de coragem. Naturalmente, melhor do que pedir desculpa é não ter que o fazer. O “problema” é que somos humanos!