A desertificação é um grave fenómeno ambiental que nos afeta e que se está a tornar mais complexo e danoso em função da sua associação a outros fenómenos, tais com a mudança climática.
Entende-se por desertificação, segundo a definição apresentada em 1994, na Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação e à Seca (UNCCD em inglês), como a “degradação da terra nas zonas áridas, semiáridas e sub-húmidas secas em resultado da influência de vários fatores, incluindo as variações climáticas e as atividades humanas”. Assim, pode deduzir-se que existem áreas do Planeta que são mais suscetíveis do que outras, devido às características climáticas.
No entanto, tal como a definição sugere, para que o fenómeno da desertificação ocorra é necessária a intervenção de diversos fatores, com particular incidência para as atividades humanas. Num comunicado da UNCCD, de 24 de outubro de 2023, é mencionado que, entre 2015 e 2019, o mundo perdeu, por ano, cerca de 100 milhões de hectares e solos saudáveis e produtivos, o que equivale a duas vezes o tamanho da Gronelândia.
Estes dados demonstram a necessidade urgente de combater os processos que conduzem à delapidação e degradação de recursos naturais vitais como são o solo, a água e a vegetação, e que contribuem decisivamente para a génese e progressão da desertificação.
Em Portugal, como em outros países da Bacia do Mediterrâneo, a desertificação é um problema em crescente expansão, afetando sobretudo a região Sul, Alentejo e Algarve, mas que se observa, igualmente, na faixa interior do país, com particular incidência na Beira Baixa e no Nordeste Transmontano. Resulta da conjugação de diversos fatores naturais e antrópicos, que conduzem à degradação dos solos, à perda de vegetação natural e à diminuição da biodiversidade, havendo, assim, uma perda de produtividade dos ecossistemas e dos sistemas agrícolas.
A confusão entre despovoamento e desertificação
Apesar de, em 1994, Portugal ter assinado a Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação e à Seca, de já terem sido elaborados dois Programas de Ação de Combate à Desertificação, datados de 1999 e 2014, de existir um Observatório da Desertificação e um Centro de Competências (CCDesert), a comunicação social, e sobretudo a classe política, continuam a utilizar a palavra de forma errada, atribuindo-lhe o significado de despovoamento. Esta confusão entre despovoamento e desertificação tem dificultado a implementação de medidas e ações de mitigação e de luta contra este fenómeno.
Importa sublinhar, contudo, que a progressiva degradação dos solos e a diminuição da biodiversidade e dos recursos hídricos, pode levar ao despovoamento, por falta de produtividade das culturas e pela redução de meios de subsistência das populações. Mas, tal acontece quando não existem outras oportunidades de subsistência, como é o caso de vários países do Norte de África ou na periferia do Deserto do Saara, por exemplo no Sahel, entre outros.
As migrações são nestas áreas do planeta em grande parte resultantes da degradação dos recursos naturais e da luta por estes, o que leva a recorrentes conflitos, muitas vezes, armados.
No caso concreto de Portugal, o despovoamento do interior do país tem outras causas, não obstante considerar-se que, em vastas regiões, já seja difícil ter-se rendimento económico com base exclusivamente na atividade agrícola, em resultado do estado de degradação dos solos e das consequências de fenómenos climáticos extremos.
Assim, não se pode falar de desertificação sem considerar a mudança que se está a verificar no clima. O país tem um clima mediterrânico, em que a ocorrência de secas e de chuvadas intensas é uma das suas características, mas nas últimas duas décadas registaram-se, de forma mais recorrente, fenómenos climáticos extremos, pautados quer pelo excesso de precipitação, quer pelo seu défice.
Ambos os fenómenos contribuem decisivamente para a instalação e expansão da desertificação, aumentando desta forma a suscetibilidade do território e a vulnerabilidade das populações a este fenómeno. Um bom indicador é, sem dúvida, o Índice de Aridez, que está a progredir de Sul para Norte e a agravar-se no Algarve e no Alentejo, não só pela diminuição dos totais anuais de precipitação, mas pela ocorrência de temperaturas máximas e mínimas muito elevadas que, ocasionando ondas de calor e noites tropicais, originam um aumento da evaporação.
A perda de terras produtivas e a segurança alimentar
As causas e as consequências da desertificação são bem conhecidas e podem ser sintetizadas da seguinte forma: (i) Causas naturais, muito relacionadas com o clima, como a ocorrência de fenómenos climáticos extremos, já mencionados, mas igualmente, com fatores relacionados com a morfologia, tipo de rocha e solos, e (ii) Causas humanas relacionadas com más práticas agrícolas, sobre-exploração dos recursos hídricos (superficiais e subterrâneos), impermeabilização do solo, mineração, sobrepastoreio, desflorestação, incêndios, entre outras ações que conduzem à destruição dos solos e à diminuição da biodiversidade.
Um dos aspetos que deve ser mencionado é a dinâmica que se estabelece entre as causas naturais e humanas, concretizada em interações a diferentes escalas temporais (curto e longo prazo) e de distintas magnitudes, que se concretiza no território por distintos graus de degradação dos recursos naturais.
As consequências da desertificação podem sintetizar-se na diminuição da produtividade, fundamentalmente por processos de erosão hídrica, compactação, contaminação e salinização dos solos, que contribui também para a simplificação e rutura da estrutura e do equilíbrio funcional dos ecossistemas.
Neste sentido, o fenómeno da desertificação deve ser encarado como preocupante, porque está em causa a perda de terras produtivas e, logicamente, a segurança alimentar. Implementar medidas que controlem o uso abusivo do solo e da água, como é o caso das culturas em modo intensivo e ou superintensivo, tem de ser uma prioridade, bem como a prevenção dos incêndios e o impedir da ocupação dos bons solos da Reserva Agrícola Nacional para a urbanização, entre muitos outros exemplos.
A desertificação é um fenómeno de difícil perceção para a sociedade no geral, mas importa ter a noção de que é muito mais difícil inverter este fenómeno do que implementar medidas e ações de prevenção. O conhecimento adquirido permite saber como recuperar as áreas degradas e minimizar as consequências. Acredita-se que a necessidade de implementação da Diretiva Solo da UE venha contribuir para que os decisores do território, bem como todos os que utilizam o solo como um recurso económico, possam adotar práticas e medidas que conduzam à sua conservação e preservação.
Combater a desertificação é também contribuir para a mitigação da mudança climática, uma vez que as funções de sequestro de carbono podem ser exercidas pelo solo e pela vegetação.
Em síntese, solos saudáveis proporcionam maior rendimento das culturas, maior armazenamento de água e mais biodiversidade; a desertificação em vastas do País é uma realidade que se agrava e, consequentemente, é necessário que sejam implementadas ações imediatas e contínuas de regeneração dos ecossistemas e de recuperação das áreas degradadas.
Contudo, estas ações devem ser constantes, suportadas por políticas adequadas às características do território, acompanhadas de uma educação ambiental e de uma efetiva informação à sociedade. Só desta forma se pode caminhar para um desenvolvimento sustentável, que tenha por base o respeito pela dinâmica da Natureza.
Maria José Roxo assina este texto na qualidade de autor do ensaio “Desertificação em Portugal”, editado em 2023 pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), no âmbito da parceria entre o Jornal Económico e a FFMS.