Uma manipulação política típica é ex-governantes, ou ex-participantes de maiorias políticas, fazerem de conta que o que acontece hoje nada tem a ver com as medidas, decisões, opções políticas que tomaram ontem. Mais grave quando decisores políticos aparecem como anjos papudos inocentes, a “botar sentenças” políticas sobre o que aconteceu por decisões suas, atingidos por uma amnésia total.

Diga-se que esta manipulação conta com a cumplicidade da comunicação social dominante, que a ajuda a construir e desenvolver, sem qualquer escrutínio profundo da responsabilidade política por determinadas situações ou acontecimentos da esfera pública. Sem fazer o que em boa linguagem popular se traduz por “pôr o nome aos bois”. Dar, atribuir responsabilidades políticas a quem tomou (ou não) medidas, decisões, opções. Sem esconder essas responsabilidades de governos concretos, ministros com nome, maiorias parlamentares de determinados partidos, por detrás de substantivos “colectivos”, instituições “abstractas”, o Estado (que pelos vistos falha!), a Assembleia da República, os partidos, etc.

Processos político-mediáticos que depois ajudam a construir outras narrativas, dos que não enxergando (ou não querendo enxergar) as responsabilidades e os responsáveis das políticas concretas, descobrem respostas milagrosas, transferindo as soluções para as mudanças do sistema político e, particularmente, para alterações dos sistemas eleitorais (círculos eleitorais, número de deputados, limitação de mandatos…) ou até para a constituição de novos partidos.

A que vem este arrazoado? É que vamos assistindo, a que sem qualquer pudor, PSD e CDS façam de conta que os graves problemas que o Serviço Nacional de Saúde ou a Escola Pública enfrentam, nada têm a ver com os seus governos passados e até com as suas votações na Assembleia da República já na actual legislatura. Que as enormes carências de diversas infra-estruturas públicas nada têm a ver com as suas políticas de brutal restrição do investimento público, que asseguraram durante anos saldos negativos de Formação Bruta de Capital Fixo. Ou que a trágica situação a que as políticas desses partidos conduziram a floresta nacional, nada têm a ver com os incêndios florestais.

Significa isto o amém às políticas do Governo PS? Não. Como se poderiam aceitar, depois do combate que se fez às políticas do PSD/CDS! Mas devia haver limite para a desfaçatez.

A operação do CDS com os comboios. Como esquecer o “Plano Nacional dos Transportes” de Passos Coelho/Paulo Portas, com o Álvaro e o Secretário de Estado Sérgio e as suas malfeitorias na CP e REFER? Inclusive, o fecho definitivo do troço V. Real/Régua, da Linha do Corgo, que Passos Coelho tinha assegurado na campanha eleitoral ir reabrir! Ou a destacada figura do CDS Manuel Queiró, desde 2013 Presidente do Conselho de Administração da CP.

E para que Assunção Cristas não ficasse sozinha neste exercício de hipocrisia política, eis que Ascenso Simões, deputado do PS e ex-secretário de Estado das Florestas (2007/2009), escreve com toda a candura (Público, 11AGO18) considerar um “crime” o “desmantelamento, no início da década de 1980” dos Serviços Florestais. O “criminoso” pelo seu desmantelamento final com Jaime Silva e Sócrates, “esqueceu-se” da sua obra-prima!

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.