Foi aprovada em Conselho de Ministros a chamada Agenda para o Trabalho Digno. Parece ser perfeitamente aceitável pretender dar dignidade a temáticas como a consolidação da negociação colectiva do trabalho, o combate ao trabalho precário, a regulamentação mais justa do funcionamento das empresas de trabalho temporário, a conciliação entre a vida profissional e a vida pessoal no regime de teletrabalho, entre outras temáticas adjacentes.
Tudo bem intencionado, a meu ver, embora os “patrões”, que viram estas matérias ser inadvertidamente abordadas fora da Concertação Social, sempre acabam por se queixar de dificuldades adicionais colocadas ao funcionamento corrente das empresas. Mas, quanto a mim, nada do outro mundo!
No entanto, esta Agenda para o Trabalho Digno também inclui um elemento inoportuno que causou alguma perturbação e que só não foi maior por se tratar de um mero estudo-piloto – para já. Refiro-me ao estudo que quer testar a criação da semana de quatro dias.
Mas há uma parte de uma agenda para o trabalho digno que, face à sua essência, acabará por ser tratada à parte no âmbito do Acordo de Rendimentos. E a propósito, todos constatamos que decretando-se subidas de salários mínimos – e tal tem acontecido com impacto nos últimos anos –, elas não têm sido acompanhadas por ajustamentos nos salários médios, que cada vez têm ficado mais próximos dos primeiros.
Reparemos que estas situações ocorrem mesmo em grandes e poderosas instituições, nomeadamente em instituições financeiras, onde nunca se colocou a questão de um salário equivalente ao mínimo nacional mas onde se verifica que os quadros intermédios se encontram drasticamente bloqueados na promoção das suas carreiras, o que revela um espírito evidente de ganância, porque não dizê-lo de exploração do trabalho qualificado.
Mas afinal o que se deve ter em conta é o conjunto do tecido empresarial, e aqui os baixos níveis de produtividade e de escala conduzirão, inevitavelmente, a um redimensionamento empresarial que potencie o crescimento económico. Contudo, criou algum espanto, e um sentimento de grave inoportunidade política face à conjuntura as palavras do primeiro-ministro, apelando às empresas – só do sector privado – para que a relação entre os salários e a riqueza nacional devesse atingir os 48% daqui a quatro anos, o que segundo os cálculos do primeiro-ministro acarretaria uma subida dos salários da ordem dos 20%.
Claro que todos pensamos razoavelmente que se tratam de acréscimos reais de salários e temos que convir que face ao ímpeto que a inflação vem revelando (e vai revelar) a evolução nominal dos salários, se se quiser cumprir o atrás referido rácio, aproximar-se-ia dos conjunturalmente insuportáveis 40% ou mais!
Mas reparemos noutra “nuance” que, teoricamente, pode até contrariar o espírito aparentemente populista deste desígnio governamental. Com efeito, também foi referido que o Governo reserva interessantes benefícios fiscais para as empresas que se comprometerem a efectuar os acréscimos salariais reais tidos como desígnio do primeiro-ministro. E lá poderemos assistir a meia dúzia, uma dúzia ou pouco mais de grandes empresas que se prestam a este papel, começando a pagar melhor aos seus quadros mas, no fundo, à custa do Orçamento do Estado.
Este exemplo de “empresas cumpridoras” será largamente publicitado espicaçando por contágio o resto do tecido empresarial que julga poder aguentar a pedalada, por vezes levianamente, consumando-se assim uma forma de selecção natural das empresas no mercado em termos da capacidade competitiva, que a verdade se diga não deixa de ser recomendável em termos estruturais em diversas situações.
Assim, poderíamos deparar com um relançamento económico a prazo, potenciado pelo efeito modernizador do PRR – Plano de Recuperação e Resiliência e por uma mais consistente reindustrialização gerada no Portugal 20/30, no âmbito de uma economia demasiado dirigista para o meu gosto. Mas “se a montanha não vai a Maomé, vai Maomé à montanha”, pode o Governo assim pensar…
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.