“A igualdade de género é um princípio fundamental da União Europeia, mas ainda não é uma realidade. Nos negócios, na política e na sociedade como um todo, só podemos atingir o nosso pleno potencial se usarmos todo o nosso talento e diversidade. Usar apenas metade da população, metade das ideias ou metade da energia não é suficiente”Ursula von der Leyen, Presidente da Comissão Europeia 

A perceção da importância de percorrer o caminho para uma sociedade igual entre Mulheres e Homens é atualmente considerada, e de forma ampla, como um valor fundamental e crucial para a construção de uma sociedade forte em termos de identidade, mas também economicamente mais sustentável e mais produtiva.

Apesar dos progressos alcançados nas últimas décadas, o ritmo dessa evolução tem sido lento e ainda estamos longe de atingir o objetivo de equidade no circuito do poder político, empresarial e económico. No entanto, a agenda de transformação económica pós-pandemia que marcará a próxima década traz consigo uma ambiciosa agenda no que respeita à sustentabilidade social.

A Comissão Europeia lançou uma estratégia para a igualdade de género, através da qual define objetivos políticos e prevê ações para realizar progressos significativos até 2025, no sentido de uma Europa que garanta condições de equidade, no âmbito das quais existe a necessidade de incluir medidas vinculativas em matéria de transparência salarial que permitam uma acentuada redução do diferencial de salários entre homens e mulheres. Por outro lado, também nos mercados financeiros tem vindo a ganhar peso o conceito de investir em empresas que cumpram critérios ESG, ou seja, empresas socialmente responsáveis perante as questões ambientais, a sociedade local onde operam e inclusivas em termos de governança. Será que o ciclo pós-Covid pode vir a ser um fator acelerador da igualdade de género?

O caminho para uma maior equidade tem vindo a ser percorrido, mas a paridade ainda está longe

Existem evidências empíricas de que o papel da mulher na sociedade moderna tem assumido um papel cada vez mais preponderante na agenda das instituições e dos governos do mundo desenvolvido, e em boa parte do mundo emergente. De acordo com o relatório do início de março “Women in Work 2021”, elaborado pela consultora PWC, na última década, os países da OCDE registaram ganhos no que diz respeito ao acesso ao mercado de trabalho (de 66% de mulheres que trabalham em 2011 para 70% em 2019), e a taxa de desemprego feminina é relativamente melhor agora do que em 2011 (6% versus 8% em 2011), sendo muito próxima da taxa de desemprego masculino (5%).

No entanto, a paridade ainda está muito longe de ser uma realidade, sobretudo quando olhamos para os diferenciais no que diz respeito às taxas de participação no mercado de trabalho face aos homens (10 pontos percentuais) e à média dos salários pagos – os homens auferem em média 15% mais do que as mulheres nos países da OCDE. Na análise da PWC, a conclusão mais contundente prende-se com o ritmo de redução destas desigualdades – tendo como referência o ritmo dos progressos da última década, a OCDE irá demorar 24 anos a atingir a paridade no que respeita ao acesso ao mercado de trabalho, e 112 anos a encerrar o diferencial salarial entre homens e mulheres.

A pandemia reverteu conquistas realizadas nas últimas décadas e acentuou desigualdades no trabalho

O caminho para a paridade tem sido positivo mas lento, e o ano de 2020 trouxe um retrocesso relevante. Uma das cruéis consequências da pandemia prende-se com a fragilidade das condições laborais das mulheres, que aliás tem sido comum em situações de crise. As cicatrizes que a Covid-19 tem deixado nas empresas um pouco por todo o mundo desenvolvido têm tido custos significativos no progresso da equidade feminina. De acordo com a PWC, as condições laborais das mulheres nos países da OCDE deverão registar este ano um retrocesso para níveis de 2017, e existem riscos de perca permanente de postos de trabalho disponíveis para as mulheres caso não sejam tomadas medidas específicas para proteger as condições de paridade no acesso ao emprego.

A taxa de desemprego feminino no agregado dos países da OCDE deverá ter aumentado entre 2019 e 2020 em cerca de 1,7%, para 7,4%, acima do aumento verificado no desemprego masculino (+1,5%) durante o mesmo período. Este impacte é explicado pela fragilidade estrutural dos postos de trabalho tradicionalmente ocupados por mulheres, que por um lado estão nos sectores que foram mais atingidos pandemia – a Organização Mundial do Trabalho refere que 40% das mulheres trabalham em segmentos muito afetados pela Covid, como hotelaria, restauração, retalho ou imobiliário – e, por outro lado, também estão tradicionalmente em posições de carreira mais precárias dentro das suas empresas, e consequentemente mais vulneráveis quando decorrem processos de despedimento coletivo.

Os sectores mais afetados com a crise sanitária são, também, aqueles que provavelmente deverão levar mais tempo a regressar a níveis de atividade pré-pandemia e, dentro destes, existirão também funções ou segmentos que poderão mudar de forma significativa ou mesmo deixar de operar da forma como operavam no pré-pandemia. Isto cria um risco de criação prolongada de desemprego e de falta de incentivo à redução das desigualdades de género no mercado de trabalho.

Acresce que a carga adicional e de suporte à família aumentou significativamente a pressão sobre as mulheres no que diz respeito ao apoio aos filhos e aos membros mais idosos. De acordo com o relatório “Women Count”, das Nações Unidas, que teve por base um inquérito efetuado em 38 países, 26% dos homens passaram a ter maior envolvimento nas responsabilidades domésticas e de suporte à família, mas a maior parte da carga extraordinária provocada pela pandemia tem sido responsabilidade das mulheres –  33% das mulheres viram o seu envolvimento aumentar, sendo que gastam em média 31 horas por semana em funções de apoio familiar, i.e., cerca de mais oito horas do que os homens.

Esta sobrecarga, ocorrendo de forma prolongada, pode constituir um obstáculo adicional para a redução das desigualdades dos rendimentos, uma variável relevante e que está identificada como tal em vários relatórios produzidos pela União Europeia.

Agir sobre a variável da equidade de género é essencial no ciclo pós-Covid

A maior parte dos programas de recuperação para a economia incorporam uma mudança de mentalidades e de estratégias que combinem objetivos de sustentabilidade, para além do tradicional incentivo à economia. Surgem assim novos sectores chave, que sejam capazes de criar crescimento e novos postos de trabalho, e ser compatíveis, por exemplo, com os objetivos de descarbonização mundial.

Além do suporte das políticas públicas, os grandes fundos de investimento privados estão a tornar-se cada vez mais exigentes para com as empresas que financiam, privilegiando critérios de seleção ESG, isto é, socialmente responsáveis para as questões ambientais, para a sociedade local onde operam, e inclusivas em termos de governança. E isto acontece não apenas porque é moralmente positivo ou justo, mas porque as empresas que cumprem os critérios de sustentabilidade são também mais rentáveis no médio prazo que as alternativas, como vem comprovado no estudo produzido pelo International Affairs Network, “A evolução verde”.

Acelerar o caminho para a equidade de género é, também, uma variável de sustentabilidade que além de socialmente responsável e justa, é criadora de impacte económico relevante. Para as empresas e, sobretudo, para as economias. Um estudo (white paper) do Bank of America produzido no início de março, “Everybody Counts”, evidencia que a inclusão de género pode originar melhores resultados operacionais das empresas, e menor volatilidade dos lucros anuais.

Este estudo olhou para as empresas cotadas no principal índice norte-americano (S&P 500) e concluiu que, das sociedades cotadas que tinham pelo menos 25% de mulheres em cargos executivos, o seu retorno sobre o capital investido (ROE) subira de forma consistente entre 2005 e 2020, e acima das empresas com menores percentagens de inclusão de género –  a análise do banco de investimento  aponta uma rentabilidade (ROE) média durante este período em torno dos 15,5% para as empresas mais inclusivas, e de cerca de 12% para as que detêm menor número de mulheres em cargos executivos.

Para além de melhores rentabilidades, as empresas mais inclusivas e que apostam na sustentabilidade registaram maior estabilidade nos lucros ao longo dos anos que as restantes, que registaram uma volatilidade mediana dos lucros por ação cerca de 50% acima da amostra de companhias inclusivas.

A paridade de salários tem impacte relevante no crescimento económico

O último relatório da PWC elaborou um conjunto de cenários sobre o potencial económico associado à eliminação da diferença salarial de género. Num cenário em que todos os países da OCDE teriam as condições da Suécia (segundo do ranking Women in Work Index, mas com a dimensão económica que a Islândia, que lidera, não tem), o agregado das economias que integram a OCDE registariam um aumento médio do PIB de seis biliões de dólares por ano, ou seja, o equivalente a um impacto de 10% anual aos níveis de 2019.

Países com menor nível de emprego feminino, como Itália ou Grécia, que caso progredissem para os valores de referência suecos (81% de participação no mercado trabalho, 7% da taxa de desemprego e diferença salarial de -12%) teriam um benefício económico próximo dos 25% por ano. A maior economia do mundo, os EUA, teriam um impacte positivo anual de 8% do PIB, ou 1,7 biliões de dólares por ano – que por si só teriam um valor adicional positivo para as restantes economias mundiais, dada a relevância da economia norte-americana para o comércio internacional.

Numa outra análise, um relatório do diretório do Parlamento Europeu de avaliação de soluções de impacto de valor acrescentado na Europa (EAVA) defende que a redução de um ponto percentual do diferencial salarial poder gerar um aumento de 0,1% no produto interno bruto anual.

‘Bottoms up’: Portugal tem que inverter a tendência dos últimos anos e gerar oportunidades

Dentro da OCDE, e apesar de bem classificado, Portugal tem mostrado alguma deterioração no que diz respeito às assimetrias de género. No estudo produzido pela PWC, Portugal terá sido o país que desde 2018 apresentou a maior deterioração do diferencial salarial entre homens e mulheres (de 9% para 14%), tendo por isso recuado do 6º lugar do ranking do Women in Work Index para 11º lugar, em 2020.

O incentivo económico para apostar na paridade representa para Portugal um prémio interessante. Na mesma análise simulada para a OCDE, Portugal, com o “padrão Suécia”, teria um impacte adicional de 13 mil milhões de euros no PIB, ou seja, um contributo anual de 4% para a criação de valor na economia. A estratégia da União Europeia para eliminar este diferencial salarial será assim um acelerador estrutural para a mudança. Afinal, se é socialmente positivo e de elementar justiça, e se cria riqueza para a economia e para as empresas, não há razão para não fazer da equidade uma bandeira para as próximas décadas.