“Dividir para reinar” parece ser a estratégia de muitos actores políticos do nosso país. Infeliz ou felizmente, questões relativas às desigualdades sociais, racismo e preconceito em relação ao “outro” não são simples, e menos ainda são consentâneas com os clubismos que nos habituámos a aceitar.

A árdua tarefa de termos que separar os factos das mensagens das intenções dos seus criadores pode ser extenuante. Há, no entanto, aspectos que nós, enquanto sociedade, devemos encarar e procurar corrigir. A ideia de que em Portugal não há racismo e que os nossos “brandos costumes” não se coadunam com preconceitos de natureza diversa (regionais, de classe, de género, entre outros) está profundamente sedimentada e não podia ser mais errada. Os poucos dados sistematizados que existem sobre o assunto assim o comprovam.

O conflito entre grupos distintos baseado nas desigualdades de diferentes tipos é humano e historicamente documentado. Muito trabalho académico tem sido produzido sobre, por exemplo, a teoria da dominação social de um grupo sobre outros (por exemplo, Sidanieu, Pratto, Martin e Stallworth, 1991). Talvez por isso seja pouco sábio esquecê-lo ou ignorá-lo, algo que nós portugueses fazemos tão bem: ignorar o que não gostamos.

E se isso ocorre no dia-a-dia nas interacções que temos uns com os outros, com consequências que são mais ou menos pessoais, fazê-lo em sociedade tem implicações mais profundas que, não sendo aqui e ali demonstradas e mostradas, são contudo muito graves.

O que se viu sobre o bairro da Jamaica assim o comprova. Mas há ideologias assentes na normalização destas situações e esta normalização vai contra a realidade de que desigualdades existem e, depois, que o poder executivo e todos os representantes do poder soberano – e nós, o povo soberano, devemos reflectir e agir sobre tal.

Foi feito algum trabalho ao longo das últimas décadas, em particular sobre os EUA, no sentido de mitigar a discriminação entre grupos e que não tem só a ver com as características de cada pessoa, e assim, a sua probabilidade de ser mais igualitário e/ou a sua aculturação. Sabemos, pois, que as acções dos grupos que dominam uma determinada sociedade se alinham com as hierarquias existentes e que isso, em conjunto com identidades comuns e estatuto dentro do grupo e papel social de cada um, em geral contribuem para que haja opressão soobre alguns grupos sociais.

Num país como o nosso, é difícil olhar para esta informação de maneira clara, mas, ainda assim, quer-me parecer que o facto de ora ignorarmos, ora colocarmos o “outro” na secção das boas ou más pessoas e grupos, serve bem este propósito, estejamos nós à esquerda ou à direita. E, pergunta-me o leitor, “porque é que isto é assim tão importante?” Eu respondo: “se ainda tem de me perguntar, talvez não esteja a pensar bem.”

Mas ainda assim, admitindo que esteja, não se esqueça que no esquecimento de certas franjas da população está o desrespeito de Direitos Humanos básicos. Caso pensemos que há uma melhor sociedade para todos, se todos estivermos melhor, talvez reflicta sobre estas questões de maneira diferente, independentemente do grupo a que pertence.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.