A desinformação e os clickbaits são fenómenos preocupantes dos nossos dias. Contribuir para o massacre público no plano social com conteúdos putativamente informativos ou de opinião pouco esclarecidos poderá vir a revelar-se tão ou mais preocupante que os flagelos que queremos acreditar serem de outros tempos ou, pelo menos, estarem amplamente combatidos por uma maior sensibilização. A intoxicação, deseduca.

Assistimos nos últimos dias à “ressurreição” do Juiz Neto de Moura, célebre pela prolação de Acórdão em que consignou a sua posição acerca de mulheres adúlteras, que lhe valeu uma admoestação pelo Conselho Superior de Magistratura. Desta feita, retorna à ribalta, mas agora, indevida e injustamente, num manifesto espetáculo de desinformação, que em nada contribui para uma sociedade consciente e informada.

Pese embora o trecho decisório possa chocar o cidadão comum – alertado que deve estar para o flagelo social que é a violência doméstica (o que foi, saliente-se, ressalvado e bem pelo Juiz!) – a verdade é que o mesmo, escrupulosamente analisados os seus fundamentos, não merece qualquer censura jurídico-penal. Tecnicamente, diga-se, não merece qualquer censura pois cumpriu a Lei, sem qualquer subjectividade ou desvio.

Neto de Moura, desta feita, afinal, decidiu bem. E foi injustamente flagelado na praça pública. Censurável é o libelo decisório da primeira instância, que em nada teve interferência a pena de Neto de Moura.

Desde logo se considera censurável a aplicação da exigência dos meios de controlo à distância, em sede de aplicação de pena acessória, a qual poderia ter sido imposta no âmbito da pena principal e, consequentemente, com a suspensão da execução da pena, associando-os a regra de conduta, conforme possibilitado pelo artigo 34.º B e 35.º do Regime Jurídico Aplicável à Prevenção da Violência Doméstica e à Protecção e Assistência das suas vítimas (Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, na sua versão mais recente).

Se assim fosse, um eventual incumprimento por parte do agressor ficaria bem mais acautelado, porquanto poderia ser convolado em prisão efetiva.

Todavia, essa não foi a decisão do Tribunal a quo (primeira instância), o qual determinou que o controlo do agressor, por meio de recurso a meios técnicos à distância, seria correspetivo da pena acessória de proibição de contactos.

Assim, incidindo o recurso do arguido sobre a medida concreta da pena, cabia ao Tribunal Coletivo – no qual o Desembargador Neto de Moura foi Relator – avaliar se o quantum das penas aplicadas fora acertadamente valorado e, consequentemente, conhecer de todos os seus pressupostos. O que aquele realizou sem que, no nosso entendimento, se lhe possa apontar qualquer erro.

Neto de Moura ao desaplicar a fiscalização da pena acessória de proibição de contactos, por meio de meios técnicos de controlo à distância, fê-lo porquanto o Regime Jurídico de Prevenção da Violência Doméstica assim o impõe, pois ausente se encontrava o consentimento do então agressor, (n.º 1 do artigo 35.º), bem como a fundamentação do Julgador (n.º 7 do artigo 35.º), reitera-se, exigida pela Lei referida.

Se, de facto, a Constituição da República Portuguesa, permite a restrição de direitos constitucionalmente garantidos, como o é a liberdade e a reserva da vida privada, neste caso do agressor (que, para a Lei, se trata do que pessoa carecida de socialização), também postula que essa restrição deverá ser feita dentro dos trâmites legais. O que, na sentença recorrida, não aconteceu.

Se ainda, atenta a Constituição Portuguesa, era possível sopesar a segurança da vítima em face desses direitos assacados ao arguido, sendo a primeira de maior relevo, é claro, a verdade é que tal tarefa estava afastada dos poderes do Tribunal Coletivo, em que o Juiz Neto de Moura foi o Relator.

O “juridiquês “não “vende”, é encriptado, prolixo e dificulta o clickbait. Mas em honra da verdade há que tê-lo em devida conta para que possamos apreciar de igual forma o que é igual e de forma diferente o que é diferente. Só verdadeiramente informados estaremos em condições de informar. Só conhecedores do plano técnico estaremos em condições de opinar.

Pode-se discordar da Lei e das regras processuais, mas se alguém falhou na magistratura, foi o tribunal de primeira instância. Neto de Moura esteve bem. Fez o que tinha de fazer. Só o que podia e tinha de fazer.  Por ignorância ou má-fé foi injustamente “crucificado” na praça pública.

Por força do fenómeno dos clickbaits ou do politicamente correto, foi levianamente julgado, sem direito a contraditório e injustamente flagelado. Amanhã, a vítima pode ser qualquer um de nós.