Decorrido mais de um mês da invasão russa da Ucrânia tem sido interessante acompanhar o funcionamento e comportamento dos órgãos de comunicação social e das redes sociais no processo de gestão informacional.
Já há algum tempo que o tema da desinformação, ou “fake news”, vinha a ser acompanhado nesta época de equivocidade informacional. No entanto, atualmente, assistimos todos em direto ao paradigma da guerra da informação ou como a informação pode constituir uma das mais importantes dimensões dos conflitos.
A este respeito, e com muito espanto, assisti recentemente a um oficial general português referir que “estas guerras não se ganham no Facebook e no Twitter, estas guerras ganham-se com vitórias militares”.
Ignorando a lapalissiana conclusão, nada de mais errado nesta afirmação. A dimensão comunicacional sempre foi fundamental em todas as guerras, nomeadamente para criar um contexto psicológico favorável ao esforço de guerra.
Também neste conflito, essa dimensão tem sido decisiva para ajudar a equilibrar a enorme desvantagem ucraniana numa tripla dimensão, o moral do povo e dos militares ucranianos, a indignação do mundo e o plantar da semente da dúvida e da dissensão na base de apoio ao adversário.
Hoje gostaria, contudo, de tratar a questão dos comentadores e dos referidos argumentos pró-russos como extensão, negligente ou dolosa, da propaganda russa.
Não me perturba ouvir argumentos contrários, mesmo aqueles que são claramente parciais, mas o teor da narrativa cansa, porque falaciosa e equívoca, e tem graves consequências na opinião pública, contribuindo não para o seu esclarecimento mas para o aumento da indefinição e do relativismo, precisamente um dos objetivos da propaganda.
Os EUA não são um país perfeito e têm cometido muitos erros na arena internacional. Contudo, isso não pode servir de justificação ou de argumento atenuante para uma agressão como a da Rússia à Ucrânia. Comparar um país livre e democrático com a Rússia é apenas má-fé e um argumento insidioso.
Conflitos como os da NATO com a Sérvia, Iraque, Afeganistão, Líbia, etc., poderão não ter sido exemplares do ponto de vista do direito internacional, da justiça e da equidade, mas isso não serve de justificação ou de argumento atenuante para uma agressão como a da Rússia à Ucrânia.
Comparar qualquer desses conflitos com esta invasão, omitindo as enormes diferenças de justificação e o contexto dos mesmos é apenas má-fé e um argumento insidioso.
A NATO não tem vindo a cercar a Rússia. A NATO é uma organização defensiva, até agora bastante dividida, que respondeu a pedidos legítimos de países independentes, que conhecem bem a natureza do posicionamento geoestratégico da Rússia e a ameaça que isso representa, para integrarem a organização.
Por outro lado, a NATO nunca invadiu qualquer país nem obriga algum que seja a integrar a organização à força, tal como não vocaliza ameaças nucleares aos seus adversários.
Comparar as decisões de países livres e democráticos com a decisão da Rússia é apenas má-fé e um argumento insidioso.
Proibir ou limitar o funcionamento de órgãos de comunicação de social propriedade direta de um Estado autocrático, não democrático e desrespeitador da liberdade de imprensa, usados de forma monolítica para projetar, de maneira constante, a narrativa da propaganda estatal russa não é um atentado à liberdade de imprensa, antes pelo contrário.
Acresce que, através desses órgãos, a Rússia tem vindo a desenvolver, em particular na última década, uma das mais insidiosas campanhas de propaganda, incentivando a dissensão e a subversão em países ocidentais, tentando perturbar o funcionamento dos sistemas democráticos, nutrindo movimentos xenófobos e apoiando partidos e grupos extremistas de direita.
E, seja como for, mesmo que existisse alguma parcialidade nessa limitação a tais órgãos de comunicação, isso não poderia servir de justificação ou de argumento atenuante para uma agressão como a da Rússia à Ucrânia.
Comparar a imprensa de qualquer país livre e democrático com a da Rússia é apenas má-fé e um argumento insidioso.
Trazer à colação, e a todo o momento, o conflito israelo-árabe não serve de justificação ou de argumento atenuante para uma agressão como a da Rússia à Ucrânia. Comparar o mais complexo conflito na cena internacional com a invasão russa da Ucrânia é apenas má-fé e um argumento insidioso.
Fazer e dizer isto tudo no exercício do direito democrático de manifestar publicamente a sua opinião, coisa que não seria possível caso estivessem na Rússia atual, durante a desgraça que acontece à nação ucraniana e quando outras nações percebem que poderiam ser as próximas, é apenas um ato vil.
Pela forma como alguns, felizmente muito poucos, analistas de circunstância, comentam a invasão russa da Ucrânia, começo a pensar que mesmo que não sejam como os históricos agentes de influência do Kremlin acabam, por deformação, por se colocar nessa posição. A análise, que se pretende neutral, e a opinião livre, que para ser honesta tem de se pautar pela verdade, não podem ou não devem promover um relativismo moral!
Da atribuição de culpabilidade ao governo ucraniano por esta guerra injustificada até à identificação de fraturas no governo ucraniano, da errada avaliação estratégica dos resultados que foram sendo testemunhados desde o início do conflito até à incapacidade de reconhecer a enormidade do ataque russo ou à incapacidade de reconhecer o que tem sido o fracasso desta invasão.
É preciso ter presente algo que supunha que esta crise nos tivesse ensinado. Portugal não é um país neutral neste conflito. Portugal alinhou com mais de 140 países em duas votações históricas, na ONU, de condenação à Rússia e, não menos importante, alinhou nas sanções da União Europeia (UE) contra a Rússia, sendo ainda um dos países que enviou apoio militar à Ucrânia. Portugal é um país da UE e da NATO, organizações consideradas adversárias por esta Rússia autocrata.