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Desmembramento da Direção Geral de Alimentação e Veterinária gera forte contestação

Diversos partidos com assento parlamentar, Ordem dos Engenheiros, Ordem dos Médicos Veterinários, 14 entidades representativas da cadeia agroalimentar e as Uniões de Organizações de Produtores Pecuários de todo país estão contra a medida ontem anunciada pela ministra da Agricultura.
31 Julho 2020, 17h40

A medida do Governo de  transferir as competências sobre os animais de companhia do Ministério da Agricultura para o Ministério do Ambiente, assumida esta quinta-feira pela ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, no Parlamento, está a gerar uma forte contestação de vários quadrantes.

Maria do Céu Antunes disse ontem que pretende ver reforçado o papel da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) quer em matérias de alimentação, saúde e da produção animal, quer na produção de alimentos saudáveis e seguros.

“Em audição parlamentar, a titular da pasta da Agricultura referiu ainda que está a ser trabalhada uma proposta para que os animais de companhia passem a estar sob a alçada do ministério do Ambiente e Ação Climática. No entanto, o papel desta instituição sairá reforçado nas suas competências relacionadas com a saúde e proteção animal e vegetal, bem como relativas à segurança alimentar, garantindo alimentos seguros, tanto nas mesas dos portugueses, como nas exportações”, assegura um comunicado do Ministério da Agricultura.

Segundo a titular da pasta da Agricultura, “importa que as competências que são acometidas à DGAV sejam por esta exercidas com a maior eficiência e que, portanto, se concentre nestas matérias, que são da maior relevância”.

“Salienta-se que, e tendo em conta a sua ligação estratégica ao âmbito de intervenção desta área governativa e da Direção-Geral que tutela, as matérias da alimentação, saúde e da produção animal ficam sob tutela da Agricultura, dando assim resposta à estratégia ‘do Prado ao Prato’, assegurando todo o sistema alimentar”, assinalou a ministra da Agricultura.

Maria do Céu Antunes referiu que está já a trabalhar com a área governativa do Ambiente e Ação Climática na construção de uma nova solução, que espelhe uma reorganização de competências, na Administração Pública, capaz de responder eficazmente ao quadro legal e às prioridades assumidas no que diz respeito aos animais
de companhia.

“A DGAV tem por missão a definição, execução e avaliação das políticas de segurança da cadeia agroalimentar, de proteção animal e de sanidade animal, proteção vegetal e fitossanidade, sendo investida nas funções de autoridade sanitária veterinária e fitossanitária nacional, de autoridade nacional para os medicamentos veterinários e de autoridade responsável pela gestão do sistema de segurança da cadeia agroalimentar. Neste contexto, assume esta área governativa a importância que o correto e adequado exercício destas funções representa para a preservação da saúde e da confiança dos consumidores, que resulta da capaz preservação da saúde e bem-estar dos animais, pelo que o novo desenho que se pretende construir para dar forma a esta realidade reforçará o seu papel nesta matéria”, garantiu a governante.

De acordo com a ministra da Agricultura, “esta reorganização deve assentar no reforço de capital humano, devidamente qualificado, bem como de adequados instrumentos financeiros e orçamentais, capacitando assim esta estrutura para o cabal e eficaz cumprimento da sua missão e competências”.

“Deste modo, entendemos estar a contribuir para sustentar um sistema alimentar que garanta às pessoas um abastecimento suficiente e variado de alimentos, seguros, nutritivos, a preços acessíveis e sustentáveis, em qualquer momento e especialmente nos tempos que agora atravessamos. Esta decisão de reestruturação não esquecerá o garante da proteção e bem-estar dos animais de produção, no que respeita não só ao cumprimento das normas internacionais, mas também da evolução dos conhecimentos científicos que melhor se aplicam a estes sistemas de produção”, adiantou Maria do Céu Antunes.

Ordem dos Engenheiros e Ordem dos Médicos Veterinários contra
No entanto, a decisão está a gerar forte contestação. Uma das primeiras instituições a insurgir-se contra esta medida foi a Ordem dos Engenheiros.

“O bem-estar animal é uma competência de várias formações superiores, nomeadamente de engenheiros agrónomos e engenheiros zootécnicos, técnicos com formação superior, integrados na Ordem dos Engenheiros, tal como consagrado no Regulamento 420/2015, publicado em Diário da República de 20/07/2015, onde se encontram definidos os atos de engenharia passíveis de serem exercidos por membros da Ordem dos Engenheiros”, explica esta instituição.

De acordo com este documento, a DGAV, “bem como as entidades suas antecessoras, Direção-Geral dos Serviços Pecuários e Direção-Geral de Veterinária, tem vindo, com o contributo dos inúmeros profissionais que têm competências na área do bem-estar animal, entre os quais zootécnicos e agrónomos, a atualizar as normas regulamentares, contribuindo, assim, para uma melhoria significativa no controlo e fiscalização do cumprimento das mesmas nas espécies domésticas”.

“A Ordem dos Engenheiros, enquanto associação profissional representante dos engenheiros agrónomos e dos
engenheiros zootécnicos, considera desajustada a intenção de retirar da tutela da DGAV a proteção e o bem-estar
animal. No entender desta Ordem profissional, seria danosa a perda do conhecimento e experiência dos
profissionais desta entidade, nomeadamente dos inúmeros engenheiros agrónomos e zootécnicos funcionários
desta instituição, bem como para a zootecnia e para a ciência animal. A separação de competências em nada abonará para o garante do bem-estar animal nas espécies domésticas”, alerta esta instituição.

Associações da fileira agroalimentar também contestam

Também diversas organizações da cadeia agroalimentar já repudiaram a possibilidade de desmembramento da DGAV. “Catorze entidades representativas de todos os elos da fileira da produção pecuária nacional rejeitam a proposta de desagregação da DGAV – Direção Geral de Alimentação e Veterinária e eventual repartição das suas áreas de intervenção por outros departamentos da Administração pública ou Ministério que não o da Agricultura”, assume um comunicado conjunto.

Segundo o documento em questão, “esta é uma entidade de importância vital para o setor pecuário, para a produção agrícola, para a saúde pública e para a economia nacional. Não pode ser posta em causa e muito menos desmantelada para aproveitamento político e oportunismo partidário, fundado em ideologias demagógicas contra o mundo rural, contra o setor agropecuário e, consequentemente, contra a economia nacional”.

“Pela importância que a DGAV tem no país e neste setor, estas entidades exigem que seja rapidamente clarificado o futuro papel deste organismo, a fim de fazer face aos desafios crescentes com que a agropecuária se depara, quer a nível da sustentabilidade, da saúde pública, da estabilidade e desenvolvimento dos territórios rurais”, defende o referido comunicado, salientando que “a importância deste setor é inquestionável, pois assegura a não desertificação do interior do país e contribui para o desenvolvimento das atividades económicas e para a manutenção dos serviços necessários às populações aí residentes, atenuando as assimetrias e valorizando todo o território nacional”.

Os responsáveis destas 14 associações setoriais sublinham que “têm sido os agricultores e os produtores de gado que, em resposta aos desafios deste Governo, têm colocado todo o seu esforço e investimento no terreno, rejuvenescendo e modernizando o setor agropecuário, contribuindo para uma menor dependência externa do nosso país e fazendo com que o produto nacional seja cada vez mais reconhecido em Portugal e no exterior”.

“A pecuária nacional precisa de estabilidade para poder continuar a alimentar o país”, alerta o comunicado subscrito pela AATM- Associação dos Agricultores de Trás-os-Montes, ACCLO- Associação dos Comerciantes de Carnes do Concelho de Lisboa e Outros; AMECAP- Associação de Matadouros e Empresas de Carnes de Portugal; ANEB – Associação Nacional dos Engordadores de Bovinos; APED – Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição; APIC – Associação Portuguesa dos Industriais de Carnes; APIFVET –  Associação da Indústria Farmacêutica de Medicamentos Veterinários;  FENAPECUÁRIA – Federação Nacional das Cooperativas Agrícolas de Produtores Pecuários; FEPABO -Federação Portuguesa de Associações de Bovinicultores; FEPASA – Federação Portuguesa das Associações Avícolas; FERA – Federação Nacional das Associações de Raças Autóctones, FPAS- Federação Portuguesa das Associações de Suinicultores; IACA -Associação Portuguesa dos Industriais de Alimentos Compostos para Animais e TECMEAT – Centro de Competências do Setor Agroalimentar para o Setor das Carnes

Por seu turno, as Uniões de Organizações de Produtores Pecuários (OPP) de todo o País, responsáveis pela execução no terreno do Plano Nacional de Saúde Animal, emanado da Regulamentação Europeia, receiam a destruição do conhecimento e da experiência acumulada ao longo dos anos pela Autoridade Veterinária Nacional, DGAV.

“Face ao anúncio pelo Ministério da Agricultura de retirar competências à Direção Geral de Alimentação e Veterinária, estas organizações consideram perigosa e extemporânea, e sem ter sido sujeita a qualquer debate prévio, qualquer decisão que vá no sentido de desconcentrar ações relacionadas com a área animal”, acusam estas organizações do setor pecuário nacional.

Segundo este comunicado, “a experiência que as Uniões de OPP têm de trabalho conjunto com a DGAV, há várias décadas, leva-as a recear consequências negativas na operacionalidade e eficiência do serviço, penalizando todo o setor animal, quer do ponto de vista sanitário, quer do de bem-estar, quer mesmo do económico”.

“Da análise que as Uniões fazem das mudanças organizacionais em discussão parece-nos que o reforço de meios humanos, materiais e financeiros da Autoridade Veterinária Nacional seriam a principal medida a adoptar para a resolução de muitos dos problemas que agora estão a ser mediatizados, mas que há muito foram já identificados”, defendem estes responsáveis, assumindo que “todos sabemos das dificuldades com que se confrontam diariamente as OPP e os serviços centrais e regionais da DGAV de modo a responder às exigências de um setor cada vez mais dinâmico e fundamental para o País”.

“Em suma, as Uniões de OPP estão seriamente preocupadas com as transferências de serviços e de competências da DGAV anunciadas, realizadas de forma pouco refletida e fundamentada e que poderão afetar o normal funcionamento das ações de saúde e bem-estar animal, apenas para dar resposta a uma mediatização crescente de um problema que tem como causa principal a perda progressiva e ao longo de muitos anos de meios humanos e materiais daquela estrutura do Estado e que agora poderá conduzir à delapidação de um património centenário de conhecimento e em prol do bem comum do setor animal em Portugal”, conclui este comunicado, assinado pela Uniões de OPP de Entre Douro e Minho, Beira Litoral, Beira Interior, Ribatejo e Alentejo.

Por fim, a ANEB – Associação Nacional de Engordadores de Bovinos mostra-se “estupefacta” com posição da ministra da Agricultura sobre esta matéria.

“A ANEB, Associação Nacional de Engordadores de Bovinos, vem manifestar a sua estupefação pelos desenvolvimentos que hoje ocorreram no parlamento, com a ministra da Agricultura a dar conhecimento que os animais de companhia deixariam de estar sob tutela do seu ministério para passarem para o Ministério do Ambiente em estrutura a criar”, critica esta associação.

Segundo os responsáveis da ANEB, “esta posição surge como corolário de um processo que teve origem no incêndio que atingiu o canil de Santo Tirso, que vitimou 73 animais de companhia, e depois de uma acérrima campanha, oportunista e perniciosa, que o PAN encabeçou e que começou, desde logo, a pôr em causa a competência da DGAV e a dos seus profissionais, bem como a sua tutela, o Ministério da Agricultura”.

“Considera a ANEB que a posição da ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, deveria ser a de defender a estrutura orgânica existente e, objetivamente, o seu organismo mais visado – a DGAV – lutando para que à mesma fossem disponibilizados meios humanos e materiais que lhe permitisse responder melhor às enormes necessidades do país nestas áreas. A própria ministra reconheceu, na sua intervenção de hoje [ontem] na Comissão de Agricultura e Mar, que o corpo de veterinários da DGAV era insuficiente e que deveria ser reforçado. Sendo do conhecimento geral o esforço e dedicação destes profissionais, apesar da evidente escassez de meios”, advoga a ANEB.

De acordo com esta associação, “a questão é que esta alteração orgânica que agora se perspetiva, a qual vai,
necessariamente, enfraquecer o Ministério da Agricultura e desmembrar a DGAV, não faz tecnicamente qualquer sentido e contraria todo o histórico de trabalho e afetação de competências que o nosso país, como muitos outros, têm definido para estas áreas”.

“A ANEB associa-se e acompanha a posição assumida pela Ordem dos Médicos Veterinários, que considera esta opção ‘um erro crasso’, defendendo ainda o seu bastonário, Jorge Cid, que as competências sobre os animais ‘têm de estar dentro de uma estrutura médico-veterinária’, como é o caso da DGAV. Será que se pretende que o bem-estar animal, que é uma questão de saúde pública, seja tutelado por outros profissionais que não os médicos veterinários? Quais?”, questiona-se a associação.

A direção da ANEB considera que “não pode ser um caso isolado, e o trágico acidente que todos lamentamos, a pôr em causa a estrutura do Estado, nem será a criação de um novo organismo a resolver, como que por magia, os problemas que o nosso país tem nestas matérias”.

“Também os engenheiros agrónomos e zootécnicos consideram que a criação de uma nova estrutura não resolve as questões em apreço. Tal, defende a ANEB, só será conseguido com a dotação de meios às entidades competentes e com um Ministério da Agricultura forte e não sujeito a pressões e a modas políticas. Considera a ANEB que esta posição incompreensível do Ministério da Agricultura é tecnicamente indefensável e resultará numa cedência à agenda animalista e radical do PAN que, de forma demagógica, aproveitou o trágico acidente de Santo Tirso para enfraquecer o Ministério da Agricultura e os seus organismos e mais facilmente atentar contra o mundo rural e contra o setor agropecuário”, denuncia o referido comunicado.

No entender da ANEB, “o PAN, que após o acidente de Santo Tirso, acusou a DGAV de ter uma visão ‘produtivista e de defesa dos interesses dos agentes económicos’ e defendeu a criação de um novo organismo que deveria regular, para além, de todas as matérias relativas à saúde e bem-estar animal, ‘as condições de produção, transporte e abate de animais de pecuária’, revelou, desde logo, o seu real objetivo com esta pretensão”.

“Já hoje [ontem], depois da posição assumida pela Ministra da Agricultura, que foi criticada pela generalidade dos partidos, o PAN veio lamentar o facto desta decisão ‘ser apenas destinada aos animais de companhia e não a todos os animais, nomeadamente, os de pecuária’, não escondendo a agenda radical e o combate que há muito estabeleceu
contra o setor agropecuário e o mundo rural”, insiste a ANEB.

Para os responsáveis desta associação, “o setor agropecuário garante a não desertificação do interior e a valorização do território nacional em toda a sua extensão, exigindo igualmente o desenvolvimento de todas as atividades económicas e a manutenção dos serviços necessários às populações aí residentes, contribuindo para atenuar as assimetrias”.

“Não pode uma atividade estratégica, que envolve tantos milhares de portugueses e que se afirma fundamental para o nosso país, ser colocada em causa pelo oportunismo de quem vê num lamentável acidente uma oportunidade para pôr em causa instituições e o interesse nacional, para daí retirar dividendos políticos. A ANEB tem representatividade em todo o território continental e Açores, assumindo maior expressão nas regiões da Estremadura, Ribatejo e Alentejo, e encontra-se disponível para contribuir para medidas sustentadas e equilibradas que defendam o mundo rural, o bem-estar animal e o interesse nacional”, conclui o comunicado em questão.

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