Ponto prévio: por ocasião do meu último artigo fui acusado por alguns leitores de falta de transparência, nomeadamente por ser membro da Comissão Política Nacional do CDS e não fazer referência a esse facto nos meus artigos. Convém fazer algumas precisões. Antes de mais, esta é uma coluna de opinião e não um artigo de jornalismo, sendo que as opiniões que expresso apenas me vinculam a mim, e não outras organizações a que pertenço. Não estou portanto aqui a veicular qualquer opinião em nome do CDS. Em segundo lugar, o cargo não executivo que exerço é do conhecimento público, sendo que o anunciei num artigo de opinião publicado este ano na revista Frontline.

Filiei-me no CDS em 2016 por acreditar em Assunção Cristas e no trabalho que pode realizar em prol de todos os portugueses. É séria, competente, trabalhadora e imbuída de uma genuína disponibilidade para o serviço público. Não tenho por hábito esconder-me sob a capa do anonimato. Dito isto, acrescento que sou um adepto apaixonado pelo Sporting. Fica aqui a minha declaração de interesses.

Voltando ao Orçamento do Estado, o meu último texto continha uma gralha, pois referi que a projeção de crescimento seria de 1,2%, quando tal valor se refere ao crescimento do PIB para este ano. Fica aqui a retificação e o pedido de desculpas a todos os leitores. Analisemos agora o OE em alguns dos seus principais indicadores e medidas fiscais.

Comecemos pela boa notícia, o saldo orçamental em 2017 mantém-se equilibrado, cumprindo com os objetivos decorrentes do pacto orçamental. É uma vitória política importante para o Governo e mesmo para o País. Neste ponto, os comentários do senhor Schäuble são inaceitáveis.

Questão diversa é saber se este é o Orçamento que o País precisa, nomeadamente em matéria de crescimento económico e competividade. Com efeito, em 2017 estima-se um crescimento de 1,5%, continuando a trajetória de divergência com o resto da UE, a qual crescerá 1,7%. É curioso que no relatório do OE se refira que o crescimento da economia mundial é incipiente, quando é certo que o nosso crescimento fica abaixo dos nossos principais parceiros económicos. Aliás, Espanha cresce quase 3% e é o nosso maior cliente. Em termos relativos, em 2017 continuaremos a empobrecer, a que acrescem outros fatores críticos: temos um endividamento excessivo e o Estado (despesa pública) continua a pesar mais de 50% da riqueza produzida.

Neste contexto, crescimento e investimento são fatores críticos. E nessa perspetiva este Orçamento não traz boas notícias. Aliás, a esquerda tenta a quadratura do círculo: afirma que não tem margem orçamental para mais estímulos ao crescimento (via redução da carga fiscal), quando é conceptualmente incapaz de aceitar que tal só será possível quando reduzirmos o peso do Estado e da despesa pública.

Em termos fiscais, a receita fiscal mais contribuições sociais cresce cerca de 2,4 mil milhões de euros – acompanhando o crescimento nominal de 3% do PIB – o que significa que inexistem incentivos reais ao crescimento económico. Sejamos claros, para alimentar o monstro da despesa pública continuaremos a subtrair recursos à economia e aos privados. Recordemos que o dito desagravamento fiscal limita-se à redução parcial da sobretaxa, mais a redução do IVA na restauração, uma medida mais que discutível neste contexto e que custa mais de 400 milhões de euros. Aliás, a redução da tributação direta – excetuando o efeito da redução da sobretaxa – resulta de medidas fiscais anteriores a este Governo, como seja a redução da taxa de IRC para 21% em 2015, bem como os efeitos em 2016 da reforma do IRS. Aliás, a propósito da recalibragem do sistema, diga-se que a tributação direta mantém o seu peso relativo face a 2016.

No mais, temos um conjunto anacrónico de medidas que pouco contribuem para um reforço da competividade fiscal. Vejamos algumas das medidas.

Comecemos pelo adicional de IMI. Dos 160 milhões de euros de receita estimada, cerca de 110 milhões serão retirados às empresas, pois recorde-se que o Imposto de Selo ora abolido só incidia sobre prédios habitacionais e terrenos para construção. No novo tributo, os edifícios para comércio e serviços passam a estar sujeitos, assim caindo por terra o argumento da tributação das grandes fortunas. Aliás, a este propósito, uma família que dispusesse de um imóvel de 1,5 milhões de euros em 2016 pagava 16 mil euros, passando a pagar, em 2017, 0,3% sobre 300 mil euros, ou seja 900 euros. E as empresas abrangidas pelo RETGS apenas beneficiam de uma dedução única de 600 mil euros (pelo grupo e não por cada empresa, como sucede por exemplo com a derrama estadual). O que se afirma estar a dar com uma mão, está a tirar-se com outra, sobretudo na área do comércio e serviços.

Na remuneração convencional do capital social, propõe-se um alargamento do regime, mas em contraponto reduz-se a percentagem de dedução de gastos de financiamento de 30% para 25%, ou em alternativa, se maior, 1milhão de euros de gastos com juros. Ora, apenas as grandes empresas terão gastos com financiamento iguais ou superiores a 1 milhão de euros, penalizando assim as PME. Mais uma vez, o que se dá com uma mão, tira-se com a outra.

No regime de incentivo à interioridade, o impacto da redução de taxa – de 17% para 12,5% sobre os primeiros 15 mil euros de matéria coletável – dá um incentivo de 675 euros, bem como a redução do PEC. É pouco, não chega sequer para compensar os gastos adicionais de combustível. Trata-se de despesa fiscal sem qualquer retorno.

No regime de incentivos às ‘startup’ (projeto semente), a dedução à coleta por cada 100 mil euros pode chegar aos 25 mil euros, mas isso exige uma coleta de cerca de 42 mil euros – quantas pessoas singulares têm uma coleta de cerca de 40 mil euros? –, já para não falar no conjunto muito significativo de restrições sobre a composição do capital social, prazo de detenção ou acesso ao regime. Para termos uma ideia, no Reino Unido os incentivos fiscais podem ascender a uma dedução fiscal de 50% dos investimentos realizados com o limite de 150 mil libras. E não podemos ter apenas um regime para incubadoras de novas sociedades, se não tivermos capital para investir. Muitas empresas nascem em Portugal e depois colocam suas sedes no Reino Unido pelos incentivos e pela necessidade de capital. Crie-se, pois, um regime fiscal generoso para as empresas de capital de risco e ‘crowdfounding’.

Aliás, saliente-se que este Orçamento é totalmente omisso em matéria de incentivos à poupança, o que não deixa de ser estranho numa altura em que a poupança privada caiu para menos de 3,5% do rendimento – quase 10% em 2013 – e em que a banca precisa desesperadamente de capital. Menor poupança significa maior necessidade de financiamento externo, promovendo de novo o círculo vicioso que nos amarra há mais de uma década.

Que quer isto tudo dizer? Que o nível de despesa – sobretudo despesa corrente – consome os recursos públicos e privados, exigindo uma carga fiscal excessiva para a dimensão da nossa economia. Ou, dito de outra forma, a resistência em reduzir de forma sustentável a despesa pública tem por efeito a ausência de margem orçamental para reduzir a carga fiscal e, desta maneira, criar uma política efetivamente competitiva e de incentivo ao crescimento económico. Esta é a verdade, o resto da discussão aparentemente ideológica não passa de fogachos para distrair a opinião pública e desviar a discussão do essencial.