Primeiro vieram pelos bancos, mas eu não me importei porque nem sequer tinha acções de bancos. Anos mais tarde acabei por contribuir para safar a banca, sem sequer ser consultado, com os meus impostos. Depois vieram pela PT e pela Cimpor, duas das maiores empresas nacionais à data, também não me importei porque nem sequer tinha acções das empresas.

Na minha incúria não tomei em conta o impacto devastador que a destruição de mais de 20 mil milhões de euros em valor teria para a economia nacional, mercado de capitais, poupanças de pequenos investidores, destruição de receitas de internacionalização e, por ironia do destino, na criação de buracos na banca que depois pagámos, devido a empréstimos kafkianos para compra de posições nas empresas a entidades dúbias para controlo de poder e ganhos via dividendos, como por exemplo a Investifino, que deixou um calote de 138 milhões só na CGD. A cereja no topo do bolo foram as perdas da Segurança Social nos títulos da PT.

Agora vêm pelos CTT e pela EDP.  No primeiro caso existe um trio de ataque conhecido, José Baptista Fino, membro do conselho de administração da Investifino (a do calote). Foi membro do Conselho de Administração da Cimpor de 2004 a 2012, e quem, por proposta da Investifino, levou para a cimenteira Francisco Lacerda (CEO) e António Gomes Mota. Lacerda que, como CEO e após a privatização dos CTT, retribui o gesto e leva para os CTT, António Gomes Mota (Chairman) e José Baptista Fino (Conselho de Administração).

Para além desta teia de relações que só mais “crédulos” podem achar inocente, analisemos a realidade inequívoca dos números da liderança de Francisco Lacerda. Entre 2013, primeiro ano como empresa privada, e final de 2018, não obstante ter registado sempre resultados positivos e gerado cerca de 320 milhões de euros de lucro líquido nesse período, o capital próprio dos CTT passa de 275 milhões em 2013 para 147 milhões em 2018.

A esta incoerência contabilística não é alheio o facto de a empresa ter sido ostensivamente descapitalizada ao pagar mais aos accionistas, via dividendos, do que os lucros alcançados durante o período em análise. Prática esta pela qual o conselho de administração também é principescamente pago.

Ora vejamos. Para o triénio 2014-2016, os “meia dúzia de gatos pingados” na administração executiva tiveram direito, em 2017, a um bónus variável por intermédio de atribuição de acções que custaram à empresa cerca de 5,5 milhões de euros. Já para os 7.750 trabalhadores, o bónus pelo desempenho de 2016 foi de apenas 3,4 milhões de euros – não obstante a empresa ter registado apenas 27 milhões de lucro nesse ano, os accionistas tiveram direito a 57 milhões de euros em dividendos, o que correspondeu à obscena taxa de retorno de 11%, face à cotação dos títulos da empresa à data da apresentação de resultados.

Mas se ainda não acredita que estão a desnatar os CTT, a nata que não engana nestes casos é sempre a performance dos títulos em bolsa. Ora, desde o primeiro dia de entrada em bolsa, a 5 de Dezembro de 2013, até à sessão de terça-feira, os títulos da empresa perderam cerca de 50%, para os 2.78 euros por acção. Fazendo uma comparação directa e simples, Deutsche Post (DP), Poste Italiane (PI), Österreichische Post, todas valem mais hoje do que em 2013, só que existem duas diferenças substanciais para os CTT. Primeiro, nenhuma dessas empresas entrega mais aos accionistas do que lucra no ano, com payouts de 55% (DP) a 80%, sendo que oferecem metade dos dividend yields que oferece os CTT, entre os 4,8% da DP e os 6% da PI.

Com a principal componente do negócio em declínio evidente e com a anunciada entrada dos Correos espanhóis (estatal) no mercado nacional, a empresa investe menos no negócio do que entrega aos accionistas, deixando bem claro para quem quiser ver que, mais ano, menos ano, terá de ser nacionalizada para continuar a cumprir com o serviço essencial de correios. Claro que isso trará custos para os contribuintes, que na prática estarão a pagar o saque feito pelos accionistas e administração desde que a empresa foi privatizada.

O caso da EDP é a história de uma empresa que em 2005 lucrou 1.071 milhões de euros e pagou “apenas” 366 milhões aos accionistas. A mesma empresa que em 2018 lucrou 519 milhões de euros mas que vai dar cerca de 700 milhões aos accionistas, mantendo o dividendo relativo a 2017, não obstante uma quebra de 53% nos lucros o ano passado.

Contas que resultam para 2018 num payout superior a 130% e num dividend yield aproximado de 6%. De novo numa comparação com os principais players do mercado norte-americano e europeu é fácil de identificar as diferenças: NextEra Energy (NEE), Dominion Energy, Duke Energy e E.ON têm payouts entre os 30% (NEE) e os 80% e dividend yields que vão dos 2,6% (NEE) e 3% (E.ON) aos 4,5% das demais.

Como se a política de dividendos não fosse suficientemente ruinosa, António Mexia anunciou um aumento do payout médio e uma distribuição de 3 mil milhões de euros em dividendos nos próximos quatro anos. Isto numa empresa que, segundo ele, está em transformação e precisa de investir fortemente nas energias renováveis. É claro que o dinheiro não estica. Ou se entrega quase tudo ao accionista ou se investe a sério – mentalidade de curto ou longo-prazo. Infelizmente, em Portugal vamos sempre pela primeira.

Acresce que o principal beneficiado por esta política desmesurada de dividendos, que está efectivamente a descapitalizar e a fragilizar a empresa, é um accionista que tem uma OPA à EDP, aquisição essa já apadrinhada pelo Governo.

Contudo, ninguém vê conflito de interesses, ninguém vê semelhanças entre os CTT e EDP com o que aconteceu com a PT ou Cimpor, ninguém defende os pequenos accionistas, ninguém defende a estabilidade já de si débil do nosso mercado de capitais, que por definição deveria ser supervisionado e regulado e não o expoente máximo do “laissez faire”. As empresas, especialmente as cotadas que operam em sectores estratégicos e que prestam serviços essenciais, não estão ao absoluto dispor de accionistas minoritários, nem sequer maioritários, até porque não são apenas os shareholders que estão em causa, mas sim os stakeholders.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.