Os censos de 2021 revelaram, entre outras coisas, que haveria 723 mil fogos vagos em Portugal, não parecendo existir informação mais concreta sobre o seu estado. De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), trata-se de “Alojamento familiar desocupado e que está disponível para venda, arrendamento, demolição ou outra situação no momento de referência.”
É, assim, uma realidade altamente diversa e proponho que se agrupem em quatro grupos distintos: I) prontos a habitar; II) habitáveis após reparações rápidas; III) exigindo reparações significativas; IV) profundamente degradados ou em ruína.
Uma vez que não dispomos de dados detalhados, atrevo-me a supor a seguinte distribuição: I) 10% do total (72 mil fogos); II) 10% (72 mil); III) 20% (145 mil); IV) 60% (434 mil).
Para se ter uma ideia do que isto significa, hoje, entre novos e reparados, apenas construímos 25 mil alojamentos por ano. Ou seja, só para colocar o IV grupo ocupável, seriam necessários 18 anos ao ritmo actual de construção, e isto se não se construísse mais nada. Agregando a este os grupos II e III teríamos um total de mais de vinte anos de construção.
Surgiu agora uma app, “Devolutos”, com fotografias de prédios desocupados e podem verificar que a esmagadora maioria estão quase em ruínas, dando alguma verosimilhança à distribuição que sugeri acima. Nos casos sem valor arquitectónico, é mais barato e faz mais sentido demolir e construir um novo edifício.
A Associação Nacional de Proprietários (ANP) resolveu opor-se a esta aplicação, em vez de aproveitar para fazer pressão sobre a Câmara Municipal de Lisboa (onde se localizam a quase totalidade dos imóveis fotografados), em relação aos atrasos inadmissíveis nas aprovações da recuperação destes imóveis. Aliás, sugiro à ANP que crie uma faixa padronizada para os proprietários colocarem na fachada dos edifícios “À espera da autorização da Câmara Municipal para reconstruir desde…”.
Sugiro também à ANP que questione publicamente os candidatos autárquicos o que estão a pensar fazer para resolver o escândalo do atraso dos licenciamentos, que nem com a crise da habitação tem melhorado.
Para além disso, todos os eleitores deveriam exigir informação sobre o que se tem passado com o imobiliário do sector público, pelo menos desde 2015, quando começaram os primeiros sinais da crise da habitação. Quantos foram vendidos para hotéis, quantos ainda estão devolutos, quantos aguardam decisões das câmaras, etc.
Resumindo: 1) a ideia de que os imóveis desocupados podem resolver a crise de habitação é uma fantasia. Na maioria dos casos, exigem tanto ou mais investimento do que construir do zero. 2) Os bloqueios principais estão nos licenciamentos camarários e na capacidade do sector da construção. É aqui que é essencial actuar, o que não quer dizer que seja fácil, sobretudo no segundo caso.