A crise política em que Portugal se encontra mergulhado provoca-me a maior das estupefacções enquanto cidadão. Ao nosso país, com um padrão de especialização concentrado no sector do acolhimento, esta crise não poderia ter sido menos oportuna.

Tendo sofrido de forma desproporcional por este padrão de especialização e pelo elevado endividamento público (limitador do volume e da dimensão dos apoios públicos ao sector empresarial e às famílias), apetece questionar o racional desta crise, logo agora que precisamos de concentrar esforços na recuperação da economia, dos empregos perdidos e na preparação de um padrão de especialização mais diversificado.

Confesso a minha surpresa pelo anúncio desnecessário, qual fasquia colocada demasiado alta, pelo Presidente da República, sob a forma do ultimato de Orçamento ou dissolução. Sem que se descortine razão constitucional para este cutelo assim anunciado.

Ao primeiro-ministro, a quem todos reconhecemos o sentido de oportunidade e sensibilidade política apurada, várias perguntas terão que ser endossadas.

Aquilo que os seus parceiros de geringonça pediam era de tal molde que justificasse o esticar da corda ao ponto de ver chumbado o Orçamento?

Importa perceber o porquê de António Costa parecer ter preferido ir a eleições agora, ao invés de aquando do próximo Orçamento ou mesmo, como seria expectável, no final do prazo normal da legislatura. Porque logo agora, com a esperada bazuca europeia e um lento retomar do turismo e dos sectores do acolhimento, toda esta crise parece irreal e trágica.

Terá sido para melhor clarificar e marcar o terreno dos seus putativos delfins e sucessores?

Terá sido devido à falta de microprocessadores que já fez parar a fábrica da Autoeuropa por quatro vezes? Ou pelo facto de os preços à saída das fábricas (de todo o mundo), da energia, dos fretes marítimos, das matérias-primas, entre outras, ter crescido entre dois e três dígitos altos?

Será pelo facto de a China ter interrompido uma série longa de crescimentos na ordem dos dez pontos percentuais do PIB anuais e estabilizar em metade disso, com os refluxos expectáveis sobre a Alemanha e as economias exportadoras europeias?

Será pelo facto da conjugação de todos estes factores ter levado os preços ao consumidor a subir para a casa dos 5% em Espanha, Alemanha e EUA, e existirem dúvidas e receios sérios de que as disrupções da Covid-19 e a inflação tenham efeitos muito mais duradouros do que o antecipado?

Será pelo regresso da ortodoxia financeira e do equilíbrio das contas públicas na Zona Euro, a partir de 2023, num cenário de retirada de estímulos monetários (e com uma alta de juros à espreita) para combater a inflação?

Será pelo receio que com a conjugação destes eventos venhamos a ter um cenário de estagflação como tivemos nas crises energéticas anteriores? Será que desta vez os mesmos eventos e factores provocarão uma história diferente?

Tudo leva a pensar que António Costa acredita que a história se repete e que desta vez não será diferente. O presente afigura-se mais risonho quanto o futuro de médio prazo. Assim, quanto mais cedo as eleições, melhor.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.