Um casal decide apanhar o autocarro. Ainda é o tempo das máscaras da pandemia. Vivem em Portugal há muitos anos, mas gostam de comunicar entre eles na língua do seu país natal. A máscara do senhor escorrega do seu nariz e, de súbito, uma senhora idosa que estava a observá-los começa a gritar ao motorista que aquele senhor não está a usar a máscara corretamente e quer que ele pare o autocarro e os mande sair. Começam gritos e insultos xenófobos, e o casal acaba por sair do autocarro, desgastado com a imbecilidade da cena.

O mundo mudou e todos parecem viver no fio da navalha, a conter uma tensão que pode rebentar a qualquer instante, com a palavra ou o gesto errado. E algumas pessoas tornam-se alvos prediletos. Esta cena – e que ocorreu com os meus pais – é apenas uma de muitas se repetem todos os dias contra cidadãos imigrantes, estrangeiros ou de origem não-portuguesa.

Vem esta reflexão a propósito da notícia de que o discurso de ódio tem aumentado, especialmente contra a comunidade brasileira, a maior comunidade imigrante residente em Portugal. Graças a uma presença massiva e organizada nas redes sociais, grupos organizados têm espalhado desinformação online de forma a propagar um falso sentimento de insegurança devido ao aumento de imigração.

A má notícia é que já não se limita ao mundo digital e anónimo: os casos de violência real não param de aumentar, contra imigrantes, um fenómeno que, não por acaso, está também ligado à amplificação do discurso da extrema-direita em Portugal. Nesse aspeto, a entrevista que Matthew Williams, autor de “A Ciência do Ódio” publicou na “Visão” é muito clara: “Posts nas redes sociais de políticos de direita que visam grupos minoritários causaram um aumento do ódio nas ruas.”

Nessa mesma entrevista, o autor descreve o processo de desumanização que ocorre resultante do discurso de ódio, “É mais fácil se olharmos os alvos como sendo menos humanos – vermes, baratas, parasitas. Eles não são apenas de um universo moral alienígena; eles são imaginados como uma espécie diferente. A desumanização, portanto, permite que o grupo externo seja tratado com indiferença e desprezo.”

E sabendo que este problema cresce entre nós, o que podemos fazer para reduzir o discurso de ódio? As respostas são divisivas: há quem seja firme em condenar e proibir o discurso de ódio, há quem considere que precisamos de o contra-atacar e desconstruir. Mas é fundamental, em qualquer dos casos, sermos empáticos para com os outros e compreender que as diferenças que nos separam não constituem barreiras.