O caminho que a Covid-19 fez na sociedade portuguesa expôs de forma ainda mais alarmante as profundas assimetrias e desigualdades económicas, muitas delas incompreensivelmente ignoradas na hora do desconfinamento.

O milagre português que ajudara Portugal a manter os números do contágio controlados depressa  desmoronou na região de Lisboa e Vale do Tejo, que apresenta realidades distintas e imensos desafios demográficos e habitacionais. Com ele desmoronou também uma certa arrogância precipitada por parte dos nossos governantes, demasiado rápidos em firmar acordos para garantir a realização de eventos globais em Portugal, como a Web Summit e a final da Liga dos Campeões.

A pressão imensa a que a DGS terá sido submetida para a reabertura económica terá causado algum desnorte na estratégia pós-quarentena, numa fase em que se considerava que o pior já tinha passado. Mas nada é linear ou previsível nos caminhos sinuosos da Covid-19 e continuamos a navegar por águas não-cartografadas, rumo a um horizonte cheio de incertezas.

No ponto crítico em que se encontra a evolução da pandemia a nível global, com o recrudescimento de novos casos em fase de desconfinamento, tornou-se óbvio que o desafio de encontrar uma política equilibrada de saúde pública, no âmbito de uma gradual retoma económica, seria sempre um processo muito mais lento e difícil do que inicialmente esperado.

Mais do que nunca, precisamos de uma visão estratégica a médio e longo prazo que permita ao mundo adaptar-se facilmente, e sem danos, a um planeta sujeito a grandes convulsões cada vez com maior frequência. Estamos expostos a um cenário, num futuro próximo, marcado por um desfilar de constantes hecatombes, entre terramotos, incêndios, novas pandemias e cheias, ou mesmo acidentes nucleares.

Precisamos de tempo para começar a preparar essa estratégia de forma concertada, mas não temos esse luxo. A cada mês que passa em plena pandemia, vários setores económicos estão cada vez mais estrangulados e em muitos países sem sólidos serviços de saúde, o cenário já é dantesco e aflitivo, com situações de carência extrema.

Em Portugal, no espaço de poucos meses, revelou-se a inadequação de um sistema assente na necessidade de faturação constante, com efeitos dramáticos em setores como a cultura, o turismo, a restauração e a hotelaria. Esses são os setores que sofreram a devastação abrupta da primeira vaga, com a promessa lenta e insuficiente de apoios.

Ainda não temos sinais de qual será o plano de relançamento económico, para além da dependência de fundos europeus. Mais preocupante, os bancos portugueses já terão recebido mais de 569 mil pedidos de moratórias no crédito mas, que ninguém se iluda, os efeitos do fim da moratória serão devastadores em 2021, a somar à queda acelerada do PIB e aos elevados números do desemprego.

Chega de planos superficiais que apenas pretendem regressar à antiga normalidade. É tempo de abrir, de uma vez por todas, a discussão sobre qual será a nossa nova forma de vida, sendo que esta passará por medidas fundamentais para estabilizar o sistema, como o Rendimento Básico Incondicional.