Desta vez fomos surpreendidos com uma mensagem no WhatsApp sobre a política de privacidade. Ou aceitamos as novas regras, ou a nossa conta é apagada a partir de 8 de Fevereiro. Instalou-se a polémica. Entretanto, a data foi alterada para 15 de Maio.
Ninguém gosta de chantagem, mas no mundo do “li e aceito”, afinal que diferença faz? Quantas vezes nos damos ao trabalho de ler as letrinhas miudinhas? Para os que, como eu, confessam não ler, porque deverá ser diferente agora com o WhatsApp? Assinar de cruz tem tido por base a sensação de que o risco de revelarmos os nossos dados é irrelevante face ao valor do serviço. Afinal, não somos terroristas! Mas o que quer o Sr. Zuckerberg? E porque devemos ficar preocupados?
A favor do Sr. Zuckerberg está a vontade de ganhar dinheiro. Está no seu direito. O Facebook comprou o WhatsApp por cerca de 20 mil milhões de dólares, e não tem sido fácil colocar publicidade no meio das conversas. Há até quem defenda que é justo pagarmos um serviço grátis com os nossos dados. Mas não é apenas essa a questão.
Nesta matéria, o Sr. Zuckerberg tem vindo a revelar-se.
Em 2014, no ano da aquisição da WhatsApp, prometeu manter os dados de cada aplicação separados. Não cumpriu e já foi multado por isso na União Europeia. Em 2017, avançou com uma Wallet no WhatsApp, a partir da Índia. Em 2018, o Facebook Messenger conseguiu uma licença para pagamentos electrónicos no espaço europeu, e no mesmo ano apareceu o WhatsApp Business, a fazer lembrar o WeChat na China.
Já em 2019, o Facebook Pay estendeu-se a todo o seu universo de aplicações, incluindo o Instagram entre outras 80 empresas adquiridas ao longo dos anos. No mesmo ano, o Sr. Zuckerberg ainda surpreendeu com o anúncio da sua criptomoeda (a Libra), aspirando a banco mundial.
Apesar de, na prática, não ter acontecido nada de significativo na área de pagamentos até agora, os objectivos do Sr. Zuckerberg são claros. A ideia é transformar o universo Facebook no suporte ao nosso dia-a-dia económico, e a fusão agora imposta entre o WhatsApp e o Facebook vai perigosamente no sentido do totalitarismo das SuperApps. Eu explico.
Há SuperApps em várias regiões do globo, sendo o WeChat a mais significativa. O cidadão chinês pode fazer rigorosamente tudo no WeChat, desde consultar, comprar e pagar, sem sair da aplicação. É por isso que é “super”. Mas nós não temos nada disso no Ocidente.
O elemento mais importante da SuperApp é a partilha dos dados entre os vários serviços que oferece. Numa SuperApp existe apenas com uma única identificação, independentemente dos vários fornecedores envolvidos. O aumento de conveniência é avassalador e os benefícios económicos muito além do que conseguimos hoje com as nossas constelações de apps nos smartphones.
A perigosa estratégia do Sr. Zuckerberg parece ser a criação de uma SuperApp, pois é o que permite a fusão das informações das plataformas de que dispõe. No centro estará o WhatsApp Business para a interacção entre consumidores e negócios, suportadas pelo Facebook Pay.
Com mais de dois mil milhões de utilizadores, o Facebook tem a esperança de poder impulsionar este ecossistema no WhatsApp com toda a informação de que já dispõe. Imagine-se o que o Sr. Zuckerberg não poderá fazer se souber com quem falamos, o que dizemos, quando e onde, todos os dias? É muito mais do que só conteúdos e likes!
O Sr. Zuckerberg está, portanto, a apostar no crescimento orgânico do Facebook, mas de uma forma ainda mais totalitária que na China, e já está a ser vítima de investigação anti-trust nos EUA, instaurada no mês passado. Uma SuperApp deve ser um agregador de fornecedores e não uma forma de os substituir.
Eu cá, voto SIM! O melhor é começar já a experimentar o Telegram e o Signal.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.