O processo de venda da Altice Portugal arrasta-se há longos meses e tudo indica que não será resolvido em breve. Tal como o Jornal Económico avançou há duas semanas, o interessado que apresentou a melhor oferta, o grupo Saudi Telecom, desistiu do processo após divergências com Patrick Drahi em relação ao preço a pagar.
Para melhor compreender o que está a acontecer, devemos ter em conta dois aspetos decisivos.
O primeiro é que o grupo francês que detém a Altice Portugal não é uma empresa qualquer, sobretudo quando comparada com outras da mesma dimensão. O Grupo Altice é uma empresa de um homem só, independentemente dos acordos que possam existir com figuras como o português Armando Pereira (que tem “direitos económicos” sobre 20% dos lucros).
Não existem outros acionistas que possam fazer pressão no sentido da venda e da resolução do gigantesco problema de dívida que o grupo enfrenta. A decisão final será de Drahi e, nos últimos tempos. o empresário, que estará a vender a Altice Portugal a contragosto, terá protagonizado alguns avanços e recuos que não facilitam a conclusão do negócio.
O segundo aspeto a realçar é que também a Altice Portugal não é uma empresa qualquer. É a maior operadora de telecomunicações portuguesa, líder de mercado e detentora de importantes infraestruturas.
A venda da Altice Portugal a um grupo saudita (que tem um projeto de consolidação à escala ibérica, juntando a empresa portuguesa à espanhola Telefónica) é uma operação que exigirá o consentimento, ainda que tácito, do Governo. Um processo que também levaria o seu tempo.
Estes dois fatores explicarão o fracasso das negociações com a Saudi Telecom. Mas significam mais do que isso. Se a Saudi Telecom, que tinha oito mil milhões de euros para investir (valor que, claramente, incluía um “prémio” por ser um player vindo de fora do espaço europeu), não foi capaz de satisfazer as exigências de Drahi, quem será?
Resta saber quanto tempo conseguirá o Grupo Altice adiar a venda da unidade portuguesa e se esta, que tem demonstrado uma notável resiliência a nível operacional, não acabará por ser afetada por este impasse. Até porque, revezes acionistas à parte, os tempos não têm sido fáceis para o sector das telecomunicações, após anos de forte pressão nas margens, devido à digitalização e à atuação dos reguladores.
Neste contexto, a Altice Portugal não é a única operadora nacional que está numa encruzilhada e em vias de ser vendida. Talvez esta seja a oportunidade para reconstruir o sector das telecom de acordo com linhas mais racionais, nomeadamente com uma fusão entre dois dos principais players, oferecendo como contrapartida, ao regulador, a separação das redes e a criação de uma “REN das telecoms”. De resto, fará sentido termos três redes de fibra ótica num país como Portugal?