Foi há cerca de dez anos que a onda gigante do crédito hipotecário de elevado risco, que ficou conhecida pela crise do subprime, dava os primeiros sinais de que iria atravessar o Atlântico e inundar a Europa. Ainda assim, apenas os então apelidados de “pessimistas” anunciavam uma crise para a economia mundial com efeitos devastadores semelhantes aos do crash de 1929. Cerca de um ano mais tarde, em setembro de 2008, afunda-se o porta-aviões Lehman Brothers e era o início violento de uma crise que abalou todo o sistema financeiro mundial e por arrastamento a sua economia.

No nosso país são, ainda hoje, bem visíveis as marcas da crise, agravada pela crise política de 2011, precipitada pelo excesso de endividamento do Estado, empresas e particulares dos anos loucos de 2009, 2010 e 2011. Tenho traumaticamente memorizada a explicação que à data os políticos nos davam com o abismo ali mesmo ao lado: Keynes explicava tudo e uma dívida gigantesca do Estado pagava-se com mais dívida. Na ciência do cidadão médio, tal equivalia a dizer que se apagava o fogo com gasolina. E assim foi. Os anos que se seguiram foram penosos para os países do sul da Europa e, muito em particular, para nós. Recordo-me de, por alturas da Páscoa de 2012, ter rumado ao algarve por motivos profissionais e ter viajado numa imensa fila de trânsito para, apenas um mês mais tarde, a A6 e a A12 se terem transformado em vias fantasma, onde se conseguiam contar os veículos em circulação. De 2007 e 2011 para cá, registaram-se centenas de insolvências de empresas privadas que lançaram milhares de trabalhadores no desemprego. Desapareceram o BPN, o BPP, o BES e o Banif, que representaram muitos milhares de milhões em prejuízos para os seus depositantes e para os contribuintes portugueses.

Os últimos tempos são de, ainda que ténue, recuperação da economia portuguesa. Sinais disso mesmo são-nos dados pelos cinco maiores bancos a operar em Portugal – os que resistiram à avalanche – que têm vindo a conseguir melhorar de forma paulatina as suas contas, reduzindo significativamente as imparidades e provisões, consequência da brutal crise do crédito malparado, passando uns a registar lucros e outros a conseguir reduzir de forma substancial os seus prejuízos, assim recuperando capacidade para voltar a injetar liquidez na economia.

A crise do crédito malparado em Portugal tem, no entanto, explicação que não convém olvidar: Estado, bancos, empresas e particulares excessivamente endividados não foram capazes de resistir à crise financeira e económica globais e, todos, sucumbimos enquanto coletividade. O Estado deixou de pagar às empresas, as empresas deixaram de honrar compromissos entre si e muitas faliram; os trabalhadores do Estado sofreram fortes cortes salariais, os do privado perderam salário e muitos foram despedidos ou atirados para o desemprego; empresas e particulares deixaram de cumprir com os bancos, o Estado passou a arrecadar menos impostos e tudo funcionou numa lógica de “bola de neve”. Num momento em que o consumo sobe vertiginosamente, suportado não pelo aumento real do poder de compra mas pelo crédito, que o aforro das famílias desce na mesma proporção, que o preço do imobiliário regista uma trajetória ascendente há muito não verificada, convém não esquecer a experiência da última década e recolhermos dela os necessários ensinamentos. Receio, no entanto, que tal não esteja a ser feito, pese embora, por enquanto, ainda estejamos muito a tempo.