Há duas doenças oculares que são responsáveis pela maioria dos casos de cegueira adquirida na população portuguesa: a retinopatia diabética (entre os 20 e os 65 anos) e a degenerescência macular da idade (depois dos 65 anos). As duas são doenças da retina e por isso vamos analisá-las com mais pormenor, hoje, no dia Mundial da Retina.

A grande maioria dos casos de cegueira associados a estas doenças pode ser evitada com um tratamento atempado e bem orientado pelo médico Oftalmologista. Nesta época de pandemia Covid-19, em que vivemos, muitos doentes tiveram, por diversas circunstâncias, os seus tratamentos adiados, aumentando o risco de perda grave de visão e de cegueira associado a estas doenças. É por isso importante que haja uma atenção especial com estes doentes durante esta fase evitando os atrasos no diagnóstico e no tratamento. Muitas cegueiras poderão ser evitadas.

Mas primeiro vamos ver o que é a retina. Se nos lembrarmos das máquinas fotográficas que usavam rolo para gravar as imagens (que depois se tornavam visíveis com a revelação) ficamos a perceber melhor o que é a retina. A luz (as imagens) tem que atravessar as estruturas do olho (tal como o faz ao passar através das lentes nas máquinas fotográficas) para chegar à retina onde são “gravadas”.

A visão é um processo cerebral em que estes estímulos recebidos pela retina são transmitidos ao cérebro e integrados de forma a serem percebidos como imagens ou o que nós chamamos “a visão”.

A retina é um órgão nobre. Mais fina que um selo do correio. Mas extremamente complexa e resistente. De facto, ela tem mecanismos próprios que impedem, por exemplo, que fique sem sangue quando há uma redução muito marcada da irrigação noutros órgãos. E, ao contrário do que se pensa, a retina é um dos órgãos que menos “envelhece”. Se vivermos até aos 100 anos (o que cada vez é mais frequente) perdemos menos de 20% dos fotorreceptores (células que captam a luz ou imagem que chega à retina).

Podemos perder alguma capacidade visual com a idade, mas a retina mantem capacidades funcionais suficientes para que possamos conduzir, ler, maravilharmo-nos com uma paisagem ou admirar o rosto de uma pessoa querida, mesmo aos 100 anos. Em suma, na ausência de doença, podemos “envelhecer” sem grandes limitações visuais associadas à retina. A doença pode alterar todos estes equilíbrios.

A DMI (degenerescência macular da idade) é uma das doenças da retina. Tal como o nome indica, está associada à idade. Surge depois dos 50 anos e quanto mais idosa a pessoa for maior probabilidade tem de sofrer desta doença.

Apresenta-se de duas formas distintas: uma forma precoce em que há sinais da doença, mas os sintomas são quase impercetíveis (DMI precoce) e uma forma tardia (com perda grave de visão). Esta forma tardia pode ter duas apresentações: uma forma chamada “seca” ou atrófica (atrofia geográfica), em que há uma perda progressiva, durante anos,  das células na parte central da retina (a mácula) e uma forma húmida em que há uma perda súbita da visão central (em dias ou poucas semanas), com aparecimento de vasos sanguíneos anormais que deixam sair fluido que lesa a retina.

Nas duas formas pode existir cegueira central: a pessoa fica impossibilitada de ler, conduzir, ver televisão, ver as horas ou identificar um rosto. Em 50% dos casos as formas tardias ou avançadas da doença são bilaterais. As formas precoces da doença estão presentes em cerca de 12% dos portugueses com mais de 55 anos (cerca de 360.000) e as formas tardias em 1% (cerca de 30.000).

Há um conjunto de regras que são fundamentais para diminuir o risco da doença e da sua progressão. As formas precoces da doença cursam com poucos sintomas. É importante que uma pessoa com mais de 55 anos faça uma observação periódica regular no seu oftalmologista cada dois anos.

Algumas medidas simples podem ajudar a prevenir o aparecimento da doença e a sua progressão para as formas tardias. Estas medidas incluem não fumar (ou deixar de fumar), fazer uma dieta saudável (a dieta mediterrânea tem um papel protetor) e praticar exercício físico regular.

O tratamento com altas doses de vitaminas e antioxidantes reduz a taxa de progressão para as formas avançadas ou tardias da doença. Num estudo científico que efetuámos em Portugal, numa população de 2000 pessoas, foi possível comprovar que, quer a dieta mediterrânea, quer o exercício físico são fatores protetores da DMI.

As formas tardias exsudativas da DMI dão perda súbita e grave de visão. O primeiro sinal é, em regra, a distorção das imagens. Se uma pessoa com mais de 55 anos nota distorção (por ex.: as linhas retas de uma folha quadriculada, os rostos das pessoas ou os umbrais das portas aparecem distorcidos) deve consultar imediatamente o seu oftalmologista. Esta é uma manifestação inicial da doença. Esta forma da doença tem tratamento que permite estabilizar a situação e recuperar alguma da visão perdida. O aspeto mais importante nesta doença é iniciar o tratamento o mais precocemente possível.

A progressão para as formas tardias com atrofia geográfica e com cegueira é mais lenta (demora anos) do que nas formas exsudativas ou húmidas (demora dias ou poucas semanas), e não existe tratamento para as formas tardias com atrofia geográfica.

A cegueira que resulta da DMI avançada ou tardia, nas suas duas formas, é altamente incapacitante, mas não é total. Uma pessoa com esta doença preserva a visão periférica o que lhe permite orientar-se e ter uma autonomia relativa. Felizmente existe tratamento para as formas exsudativas ou húmidas, que são as que causam perda de visão grave em dias ou semanas. Os tratamentos com injeções intra-vitreas de anti-VEGF vieram revolucionar o tratamento desta doença e reduzir significativamente a taxa de cegueira associada.

Alguns aspetos importantes associados ao tratamento devem ser realçados e incluem um diagnóstico precoce, o início do tratamento logo após o diagnostico, um tratamento continuado (pode prolongar-se por vários anos) e vigiado rigorosamente. O diagnóstico precoce, antes de haver perda de visão significativa é extremamente importante. Quando se dá a progressão para as formas tardias exsudativas da doença, os doentes notam na grande maioria dos casos distorção das imagens.

Esta distorção é um sinal muito importante e não deve ser ignorado. De facto, ele permite fazer o diagnóstico mais precoce e iniciar o tratamento ainda antes de haver perda grave de visão.  Quando tal sucede é possível preservar visão de leitura e de condução em muitos casos. Quando o doente inicia o tratamento já com perda grave de visão o prognóstico já não é tão favorável e é muito mais raro conseguir preservar a visão de leitura ou de condução. Por isso, o aparecimento de distorção das imagens deve ser considerado um sinal de alarme e não se deve ficar em casa a ver “se passa com o tempo”. De facto, “com o tempo” pode agravar-se de forma irreversível esta perda de visão.

A retinopatia diabética é uma doença da retina associada à diabetes. As manifestações são progressivas e podem, por vezes, evoluir sem perda de visão significativa até uma fase muito avançada da doença e próxima da cegueira.  Por isso, é um grave erro quando um doente diabético espera até ter perda de visão para consultar um médico oftalmologista. Em Portugal existem cerca de 1.200.000 pessoas com diabetes, cerca de 300.000 com retinopatia diabética e aproximadamente 30.000 com perda de visão associada à retinopatia diabética.

A prevenção e o tratamento atempado são extremamente importantes na retinopatia diabética. Se tudo for bem orientado (prevenção, diagnóstico, tratamento) não é de esperar que surjam casos de perda grave de visão ou cegueira. Mais de 90% dos casos de perda grave de visão associados à retinopatia diabética podiam ter sido evitados. Na ausência de um bom controlo metabólico, do controlo da tensão arterial, associados à falta de exercício físico, é de esperar que surjam lesões de retinopatia diabética e perda de visão.

Todos os diabéticos tipo 2 devem ser observados anualmente pelo seu oftalmologista (ou realizar o rastreio). Os diabéticos tipo 1 devem ser observados também anualmente a partir do início da puberdade (quando a doença surge antes da puberdade) ou 5 anos após o início da doença (quando ela surge após o início da puberdade). O médico oftalmologista iniciará o tratamento quando houver critérios para tal.

As possibilidades terapêuticas na retinopatia diabética são mais alargadas e numa situação em que todo o processo é bem conduzido (inclui também o papel do doente que é extremamente importante com um bom controlo metabólico e exercício físico) é possível evitar perda significativa de visão. O tratamento pode incluir injeções intravitreas de anti-VEGF e/ou implantes de corticoides, laser e nos casos mais extremos cirurgia. Na ausência de tratamento a progressão da doença é para a cegueira, que em casos raros pode ser total.

Apenas o médico oftalmologista está preparado para diagnosticar e tratar estas duas doenças da retina, responsáveis pelo maior número de casos de perda grave de visão e cegueira em Portugal. É extremamente importante ter um olhar mais atento para estas duas doenças nesta época de pandemia. O atraso nos tratamentos pode significar perda de visão irreversível.