O primeiro-ministro e o líder do principal partido da oposição têm visões diametralmente opostas sobre a situação do país e o seu futuro. Enquanto António Costa considera que não há impossíveis e que até as vacas podem voar, como demonstrou quando, em maio deste ano, ofereceu uma vaca voadora à ministra da Presidência e da Modernização Administrativa, Passos Coelho acena com a iminente chegada do diabo, face à situação económico-financeira portuguesa. Estas duas visões têm claramente a ver com a personalidade dos dois políticos.
António Costa é um otimista habilidoso, prefere dar boas notícias, evitando alertar para os perigos que podem existir ao virar da esquina, gosta mais de falar do sol de hoje do que da chuva que poderá vir amanhã, ama o cor-de-rosa e embirra com o cinzento e o negro, revê-se no famoso slogan comercial da Adidas “impossible is nothing”.
Passos Coelho é mais calculista e, sobretudo, mais ingénuo. Gosta de chamar a atenção para os perigos e desafios que nos aguardam, prefere ser honrado e poupadinho a ser ambicioso e gastador, é adepto do realismo e detesta a utopia. Para Passos, por melhores que sejam as notícias, há sempre nuvens negras no horizonte, para Costa, por piores que sejam os resultados, há sempre um sol que espreita atrás de uma nuvem. Costa e Passos são assim duas personalidades inconciliáveis: um retrata, no essencial, a formiga e o outro a cigarra da fábula de Esopo, celebrizada por La Fontaine.
Para Passos, a formiga, há sempre que trabalhar muito no verão para arrecadar o necessário para sobreviver a um inverno difícil e rigoroso que a seu tempo certamente chegará. Para Costa, a cigarra, há que “curtir” o verão porque o inverno, a chegar, será ameno e prazenteiro. Um prefere alertar para o inevitável, o outro prefere esperar que algo de mau aconteça, para então se preocupar com a situação.
Perante estas duas visões, os portugueses preferem claramente a ideologia de Costa, lidar com as más notícias apenas quando elas lhes batem à porta, ir vivendo a sua vidinha sem estar sempre a pensar no que de negro o futuro lhes poderá vir a trazer. Esta é a razão pela qual António Costa tem trepado nas sondagens, enquanto Passos Coelho se tem afundado nas mesmas, mês após mês.
Os portugueses estão fartos de arautos da desgraça, querem alguém otimista à frente dos destinos da nação. Preferem o irrealismo de Costa ao pessimismo de Passos, preferem um habilidoso a um calculista, preferem ouvir falar de vacas voadoras a esperar que o diabo chegue a qualquer momento para lhes levar, uma vez mais, o pouco que amealharam.
E se um dia o diabo vier, como no passado recente já veio, Passos não ganhará nada em dizer que se fartou de avisar e Costa atirará sempre a culpa do regresso do mafarrico para a situação internacional, para uma União Europeia que tem as costas largas ou para qualquer outra justificação que servirá os seus interesses eleitorais. Se a vaca se estatelar e vier a morrer, após um curto, mas aprazível, voo, Costa poderá sempre dizer que nunca prometera que a vaca voaria para sempre, mas apenas que o ruminante teria uma experiência que muitos tinham apelidado de impossível.
Em política, como em tudo na vida, as pessoas preferem alguém que seja capaz de transformar pedras em pães a alguém que lhes diga que têm de passar privações porque só há pedras e estas nunca se poderão vir a transformar em pães. Por mais que Passos tenha razão, não sobreviverá politicamente até que essa razão lhe possa vir a ser dada e Costa continuará sempre a passar nos intervalos da chuva, negociando, contornando, ziguezagueando, fazendo as vacas voar.
As vacas voadoras são divertidas, o diabo é assustador. O português prefere claramente quem o divirta a quem o assuste. Por mais que Costa nos possa conduzir ao cadafalso, fá-lo-á sempre sem que, até lá, nos preocupemos demasiado.