O início da legislatura está a ser protagonizado por debates sobre o aumento e a redistribuição da carga fiscal decorrente de alterações significativas na estrutura de alguns impostos. Deixando de lado o impacto destas medidas na economia de cada um de nós, é destacável a sofisticação técnica atingida pela maquinaria fiscal em Portugal, que garante uma grande flexibilidade aos legisladores no desenho dos impostos, na definição dos processos de suporte e na sua fiscalização.

O fisco português, omnipresente nas nossas vidas para o bom e para o mau, é um exemplo de sofisticação tecnológica pela adoção de ferramentas digitais que não só substituem processos obsoletos, mas que acompanham, fiscalizam e controlam um número crescente de ações e de transações nas nossas vidas.  Esta e outras agências tributárias dispõem atualmente de dados, ferramentas e modelos que ultrapassam em sofisticação os meios disponíveis nos serviços de inteligência de muitos países.

No que respeita aos dados, além dos caudais gigantescos de informação que as autoridades obtêm a partir das obrigações declarativas impostas aos contribuintes, é cada vez mais frequente escrutar sítios na Internet para, por exemplo, identificar ofertas de aluguer de apartamentos cujas rendas não são declaradas. Noutros casos, utiliza-se a informação fotográfica disponível nas aplicações gratuitas de cartografia para identificar piscinas ou obras não licenciadas.

Em relação às ferramentas, a autoridade fiscal dispõe já de sofisticados sistemas de inteligência artificial, com sistemas de aprendizagem automática que aumentam progressivamente a fiabilidade dos resultados. A partir da comparação de registos comerciais, pagamentos digitais e outras transações com os perfis tributários de renda e património dos cidadãos, os algoritmos detetam incoerências que derivam em inspeções e, frequentemente, em sanções. Para desespero dos pecadores fiscais, a digitalização da sociedade e da economia aumenta de forma incontornável o rasto digital de todas as nossas ações.

Mas, infelizmente, a sofisticação digital da nossa máquina fiscal não se tem visto acompanhada da transformação de outros processos da Administração Pública, nomeadamente do escrutínio dos gastos públicos, cujo diploma leva em Portugal quatro anos de atraso. Em Espanha a situação não é melhor dado que, por exemplo, a agência de supervisão da contratação pública conta só com seis pessoas para fiscalizar 13% do PIB.

É desconfortável o contraste entre a asfixiante pressão fiscal e a falta de rigor na aplicação do dinheiro público. Sobram ferramentas digitais e falta uma verdadeira vontade de transformação do sistema. Esta nova fiscalidade de precisão deveria produzir resultados equilibrados em ambos os lados da equação macroeconómica mas, infelizmente, o único efeito do extraordinário digitalismo de Estado está a ser a incontinência fiscal sobre os contribuintes. Para a gestão da despesa, continuamos a ser totalmente analógicos.