Até há poucas semanas, era dada como adquirida a vitória, nas presidenciais francesas deste ano, de qualquer candidato que representasse a direita tradicional (gaullismo). A eleição de François Fillon em primárias consolidou essa ideia, sobretudo em função da eventual capacidade de o seu conservadorismo captar algum eleitorado de extrema-direita. Porém, em linha com os atípicos tempos que vivemos, o inesperado abateu-se sobre aquele que era já considerado presidente antes de o ser: um amplo conjunto de revelações jornalísticas sobre contratações de familiares pelo próprio Fillon (no exercício de cargos públicos) poderá ter comprometido definitivamente as suas ambições presidenciais.
No momento em que estas linhas são escritas, ainda não é claro que Fillon não acabe por ser pressionado pelo próprio partido a abandonar. A definição deste quadro será determinante para o resultado final das eleições e para a evolução do quadro político francês. Caso Fillon abandone, o espaço gaullista poderá contar com um novo candidato que ainda tenha tempo para passar à segunda-volta contra a provável Marine Le Pen. Alain Juppé, o segundo candidato mais votado nas primárias e com melhor grau de aceitação no eleitorado centrista, não exclui liminarmente uma candidatura e teria hipóteses de passar à segunda-volta.
Caso Fillon resista, as últimas sondagens indicam que poderá ser ultrapassado por Emmanuel Macron, antigo ministro socialista, que se assume como uma alternativa social-liberal (centrista), com posições progressistas em temas como a imigração e os refugiados. O grande problema que Macron irá enfrentar, caso se mantenha a possibilidade de passar à segunda-volta, é o da ausência de um partido consolidado que sirva de suporte para as eleições legislativas que terão lugar depois das presidenciais. Em 2016, este candidato fundou o En Marche, um movimento que ainda carece de um programa político consolidado e que enfrenta forte concorrência ao centro. Uma eventual presidência de Macron seria obrigada a estabelecer pontes com outros partidos políticos, o que, na actual fase da política francesa, não seria necessariamente mau.
O sistema político francês conta com algumas peculiaridades que poderão, assim, estar em jogo nestas eleições. Até à eleição presidencial de 1995 (inclusive), o mandato do chefe de Estado tinha uma duração de sete anos e a legislatura, quando cumprida na totalidade, cinco anos. A partir de 2002, o mandato presidencial e a legislatura passaram a coincidir: poucas semanas depois do novo presidente assumir funções, celebram-se eleições legislativas e em todas (2002, 2007 e 2012), registou-se uma coincidência ideológica entre o presidente e a nova maioria. Desta forma, consolidou-se o poder presidencial no sistema semipresidencialista. A eleição de um presidente sem uma base parlamentar coincidente alargada poderia constituir uma oportunidade e criar espaços efectivos de contenção da extrema-direita. Voltaremos a falar sobre isto.
O autor escreve segundo a antiga ortografia.