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Direitos de Autor: Diretiva polémica ainda tem conceitos por clarificar

É benéfica para as startups, não proíbe memes ou paródias, mas peca pela falta de rigor em certas expressões. O diploma que levou os internautas à rua ainda pode complicar a vida ao legislador.
27 Abril 2019, 11h00

Comemora-se esta sexta-feira, 26 de abril, o Dia Mundial da Propriedade Intelectual (PI). Há menos de duas semanas, a Diretiva sobre direitos de autor no Mercado Único Digital 2016/0280, que um trio de instituições acredita ser responsável por modernizar o quadro legislativo da União Europeia nesta matéria, recebeu ‘luz verde’ do Conselho Europeu. As três instituições consideram que abre as portas a “um verdadeiro mercado único digital”, garantindo proteção a autores e artistas e, simultaneamente, criando maneiras diferentes de partilha de conteúdos protegidos na comunidade única. Mas, afinal, por que se gerou um impasse de dois anos, desde que foi proposta pela Comissão Europeia?

Pedro Vidigal Monteiro, of counsel da Telles, considera que esta diretiva irá “mudar o status quo”, até pelo simples facto de trazer para a opinião pública assuntos que até aqui eram desconhecidos. “Um dos impasses nas negociações prendia-se com a aplicação total das obrigações previstas no artigo a todas aquelas plataformas digitais, contudo serão fixados critérios de aplicabilidade relacionados com a dimensão dessas plataformas, o que é uma vantagem para as startups”, explicou o advogado de Digital, Privacidade e Cibersegurança da ao Jornal Económico.

De facto, torna-se benéfica para as startups porque foi previsto um sistema mais leve para estas pequenas empresas, de forma a incentivar a sua atividade na comunidade única. Caso prestem serviços há menos de três anos, tenham um volume de negócios inferiora a 10 milhões de euros e menos de 5 milhões de visitantes mensais continuam a ter de ser notificadas pelos autores e impedir o acesso a conteúdos ilícitos, mas não lhes é exigido que estejam atentas, que supervisionem essa questão. Na verdade, esta cláusula até atrasou o processo em termos políticos, porque a Alemanha e a França.

“Congratulo-me pelo facto de o texto acordado acolher, em particular, as startups. As empresas líderes de amanhã são as startups de hoje, e a diversidade depende de um conjunto profundo de empresas jovens, inovadoras e dinâmicas”, argumentou o eurodeputado alemão Axel Voss, aquando da aprovação. O relator do Parlamento Europeu recordou também as “preocupações” dos cidadãos e referiu que os “memes, gifs ou snippets” [fragmentos de código] estão “agora mais protegidos do que nunca”. Aliás, esse era um dos medos dos cerca de 20 manifestantes que saíram à rua em Lisboa, no final do ano passado, em prol da “salvação da internet”, dos memes ou das paródias (cuja publicação continua a ser lícita). Os jovens pediam que fosse “abaixo o artigo 13º”. Na teoria, o legislador assim o fez, colocou-o mais abaixo no diploma e passou a chamar-lhe 17º.

No fundo, os titulares dos direitos (produtores da música que alguém utilizou num vídeo, por exemplo) podem, antecipadamente, informar as plataformas de que são os ‘donos’ do conteúdo, o que acaba por impedir a priori a sua publicação – daí a temida censura prévia.

A advogada Patrícia Akester criou este ano um gabinete jurídico exclusivamente dedicado à PI e à Inteligência Artificial. A ex-consultora da Sérvulo avançou com este negócio, em parte, por causa desta controversa diretiva. “À medida que foram decorrendo as negociações começou a ver-se uma versão mais diluída. Sou tremendamente a favor porque é melhor que nada”, diz.

Porém, Patrícia Akester alerta para os conceitos pouco claros que geram incerteza jurídica para este período de dois anos de transposição. Na lista de noções que ficaram em aberto estão os “melhores esforços”, “medidas de filtragem onerosas” ou “excertos curtos”, que, na sua opinião, vão gerar “confusão nos legisladores de cada Estado-membro, nomeadamente no Ministério da Cultura português. O que está em causa? Imaginando que, apesar dos “melhores esforços” das plataformas (Facebook, Google…), surgirem conteúdos ilícitos nos sistemas estas só os têm de remover ou de lhes impedir o acesso mediante aviso.

Ou seja, as plataformas continuam obrigadas a obter autorização ou licença para uso de conteúdos, mas estão sujeitas aos tais «melhores esforços», um conceito que não é absolutamente explícito. “O que são os melhores esforços? O legislador doméstico ainda terá de explicar. Depois aquilo que vai acontecer é que o Tribunal de Luxemburgo [de Justiça da União Europeia] ainda terá de explicar melhor”, questiona-se a investigadora na Universidade de Cambridge sobre o assunto.

Mais: se as plataformas não conseguirem obter autorização só têm de usar determinadas metidas tecnológicas (como a receosa filtragem) sob três condições cumulativas: se tiverem à sua disposição medidas eficazes e adequadas de controlo; se essas mesmas não forem excessivamente caras; se forem avisadas pelos autores.

“Se um dos meus livros estiver no Facebook ou no YouTube e eu não disser nada às plataformas, ainda que me aborreça que lá esteja, elas não têm de fazer nada. O ónus acaba por ficar nos titulares de direito. Acabámos por ter muitos requisitos cumulativos para as plataformas, exigências que se forem cumpridas, ficamos na mesma, não há obrigatoriedade”, exemplifica Patrícia Akester

Em relação aos meios de comunicação social, o anterior artigo 11º (agora 15º) continua a proteger os jornalistas e editores de imprensa, acreditam os especialistas ouvidos pelo semanário. No entanto, no que diz respeito à possibilidade de os utilizadores usarem hiperligações das notícias, a conceção de “excertos curtos” admitidos também carece de algum rigor. Na opinião de Pedro Vidigal Monteiro, há um reforço das hipóteses de os músicos, intérpretes, autores, editores e jornalistas de obterem melhores contratos de licenciamento “e, assim, uma remuneração mais justa pelo uso de suas obras exploradas digitalmente”. O Conselho Europeu defende que a diretiva prevê regras harmonizadas que facilitam inclusive a exploração de obras que deixaram de ser comercializadas e que os autores de trabalhos incorporados numa publicação de imprensa tenham direito a uma parte da receita da editora. Contactada, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) disse não pretendia prestar qualquer declaração sobre o documento.

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