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Disparidade salarial, será a lei revolucionária?

A lei agora publicada vem reforçar mecanismos de controlo, correção e reparação. Mas a mudança de paradigma não se faz apenas pela lei. É urgente um pacto social de rejeição à disparidade salarial que tem repercussões gravosas ao longo do ciclo de vida.
24 Setembro 2018, 17h33

O Governo apresentou em 2016 uma agenda para a igualdade em sede de Concertação Social. A agenda tinha cinco pontos: paridade entre homens e mulheres nos conselhos de administração das empresas, igualdade salarial, conciliação da vida familiar com a vida profissional, licenças parentais e segregação profissional.

A agenda tem vindo a ser concretizada e a 21 de agosto foi dada resposta ao segundo ponto da agenda – igualdade salarial -, através da publicação de uma lei que reforça os mecanismos de proteção e garantia da igualdade remuneratória entre mulheres e homens.

Disparidade salarial não significa apenas desigualdade salarial para a mesma função laboral, introduz na equação o valor do trabalho, a forma como se calcula e forma um salário, os prémios e suplementos, assim como a segregação horizontal, ou seja, a segregação de homens e mulheres em áreas profissionais específicas.

Apesar dos mecanismos de proteção do mercado de trabalho, a disparidade salarial entre homens e mulheres continua a persistir, atingindo cerca de 17%. É ainda relevante que, ao analisarmos a evolução deste fenómeno, constatamos que entre 2007 e 2015 a oscilação é mínima, havendo uma desigualdade estrutural no que diz respeito às diferenças remuneratórias entre mulheres e homens que importa combater.

 

“As mulheres estão em maior número no Ensino Superior, têm melhores resultados académicos, mas no mercado de trabalho a diferença salarial entre homens e mulheres com mais qualificações é de 28%”.

 

Nos anos 80 do século XX havia a convicção de que o problema da desigualdade salarial e da ausência de mulheres nos lugares de direção se resolveria com a universalização da educação. Contudo, 30 anos depois, as mulheres estão em maior número no Ensino Superior, têm melhores resultados académicos, mas no mercado de trabalho a diferença salarial entre homens e mulheres com mais qualificações é de 28%.

O crescimento do salário mínimo nacional mitiga a desigualdade entre os salários mais baixos. Conforme vai aumentando, a diferença salarial entre mulheres e homens nas profissões menos qualificadas vai diminuindo, mas a verdade é que no topo da qualificação atinge valores indignos.

Esta realidade, estranhamente, não é central na agenda mediática, na agenda política, nas agendas das entidades patronais ou das centrais sindicais, mas é uma questão central na vida das mulheres e das famílias portuguesas, porque influencia os rendimentos de quem está no mercado de trabalho, mas também tem um forte impacto nas pensões daquelas que chegaram ao final da sua vida profissional.

A lei agora publicada vem reforçar mecanismos de controlo, correção e reparação das desigualdades salariais, destacando-se três aspetos que, bem aplicados, poderão, de facto, fazer a diferença na erradicação de uma violação constante da Constituição da República Portuguesa e da lei laboral:

  1. Informação estatística através de um barómetro geral e setorial das diferenças remuneratórias e o balanço das diferenças remuneratórias entre mulheres e homens por empresa, profissão e níveis de qualificação. Nos casos em que se detetem indícios de desigualdade a empresa tem 120 dias para apresentar um plano de avaliação das diferenças remuneratórias para ser implementado durante um ano, ao fim do qual são verificadas as correções operadas. Este regime irá iniciar-se em empresas com 250 ou mais trabalhadores/as, sendo alargado ao fim de dois anos para empresas com 50 ou mais trabalhadores/as.
  2. Requerimento da trabalhadora à CITE – Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego de parecer sobre a existência de discriminação remuneratória em razão do sexo por trabalho igual ou de igual valor, que é vinculativo e, caso se verifiquem desigualdades, a entidade empregadora tem 180 dias para corrigir.
  3. Proteção do interesse da trabalhadora, uma vez que a entidade empregadora tem sempre que fazer prova da não discriminação, o que numa situação de assimetria de poder, como é o caso, deve ser sempre acautelada.

Esta disparidade que a nova lei pretende enfrentar não é apenas um fenómeno dos setores industriais, é um problema das áreas dos serviços onde é mais difícil de detetar, porque as carreiras e as classificações funcionais são muito menos tipificadas.

Com esta nova lei tornar-se-á muito mais transparente o cálculo e a formulação do valor dos salários, a transparência no pagamento do trabalho de acordo com as funções dos trabalhadores e trabalhadoras, o conhecimento efetivo das empresas que discriminam, a possibilidade de as pessoas discriminadas recorrerem a mecanismos de contestação dessa mesma discriminação, sendo esta última uma das medidas que mais valorizo na lei.

 

“É preciso que os homens ocupem mais a esfera privada, que assumam mais o seu papel reprodutor e cuidador e que as políticas públicas no âmbito da conciliação da vida familiar com a vida profissional e as licenças parentais acompanhem a mudança necessária”.

 

Evidentemente que não podemos olhar para o problema de forma isolada, há que compreendê-lo numa perspetiva estrutural que se cruza com o papel dos homens e das mulheres na sociedade. É preciso que os homens ocupem mais a esfera privada, que assumam mais o seu papel reprodutor e cuidador e que as políticas públicas no âmbito da conciliação da vida familiar com a vida profissional e as licenças parentais acompanhem a mudança necessária.

Mas a mudança de paradigma não se faz apenas pela lei. É urgente que exista um pacto social de rejeição à disparidade salarial que tem repercussões gravosas ao longo do ciclo de vida. É a única forma efetiva e viável de tornar esta lei revolucionária no combate a uma das maiores vergonhas nacionais, a disparidade salarial entre homens e mulheres.

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