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Dívida não é sinónimo de austeridade

A sustentabilidade da dívida pública em nada depende do seu valor absoluto, mas sim da sua trajetória. Por isso, antes de se apontar a necessidade de medidas de austeridade, é imperativo compreender o que torna uma dívida sustentável.
25 Fevereiro 2021, 07h42

Durante esta crise, a maioria dos países desenvolvidos recorreram a alguma forma de estímulo fiscal para combater a recessão. Aliada à forte queda das receitas e a uma contração económica sem precedentes, a dívida pública de praticamente todos os países acabou por crescer substancialmente.

Em Portugal, o peso da dívida pública face ao PIB subiu para 130% no terceiro trimestre, mais 3,9 pontos percentuais do que no segundo trimestre – este é o rácio mais elevado desde o terceiro trimestre de 2017, quando o mesmo atingiu os 131,3% do PIB. Também a nível europeu, Portugal continua a registar a terceira maior dívida da União Europeia em relação ao PIB, com a Grécia a liderar e Itália na segunda posição.

No entanto, a sustentabilidade da dívida em nada depende do seu valor absoluto, mas sim da sua trajetória. Por isso, antes de se apontar a necessidade de medidas de austeridade, é imperativo compreender o que torna uma dívida sustentável.

De uma forma sucinta, essa sustentabilidade é influenciada por dois fatores: desempenho das contas públicas (diferença entre as receitas e custos do estado – excluindo os juros pagos pela dívida – em percentagem do PIB) e a diferença entre a taxa de juro real paga pela dívida e a taxa de crescimento do PIB real. No entanto, no longo-prazo é mais determinante o segundo ponto uma vez que se o crescimento da economia for superior aos juros pagos pela dívida, esta contribui não só para a diminuição do valor da dívida relativamente ao PIB, como também leva ao maior valor nominal do PIB, levando consequentemente a uma diminuição de um possível deficit das contas públicas (uma vez que este está também em percentagem do PIB).

Isto levou Olivier Blanchard (2019) a referir que perante uma situação destas pode-se e deve-se “empurrar a dívida” para a frente, pagando a dívida existente emitindo nova dívida, mas diminuí-la como consequência do crescimento económico – assim seria possível reduzir o tamanho da dívida relativamente ao PIB sem nunca se precisar de aumentar impostos. O ex-economista-chefe do FMI, refere ainda que uma taxa de crescimento real do PIB superior à taxa de juro real paga pela dívida “é historicamente
uma regra e não uma exceção” (salvo raras situações).

Muitas organizações e economistas também concordam. Em concreto, o Fundo Monetário Internacional (FMI) – que historicamente tem sido um forte defensor da contenção e responsabilidade fiscal – recomenda que a austeridade não deve ser utilizada e que poderá ser contraproducente. Como disse um funcionário do FMI, “o rácio da dívida pública nas nossas projeções estabiliza e até diminui ligeiramente no final, o que mostra que o COVID-19 é um salto pontual da dívida e, com as baixas taxas de juro, a dinâmica da dívida estabiliza”.

Assim, não há necessidade de uma política de austeridade que implique a consolidação da dívida através de impostos mais elevados e de redução da despesa. Isso, por sua vez, pode ter efeitos negativos no crescimento.

Para além disso, o FMI preocupa-se com o facto de os estímulos orçamentais poderem ser retirados demasiado cedo, sufocando assim a atual recuperação. Mas o FMI não está sozinho nesta avaliação. O Banco Mundial, a OCDE, os principais bancos centrais e conhecidos académicos já manifestaram também um sentimento semelhante. As reformas estruturais que se deve procurar ter é a nível económico e não orçamental, e não o fazer seria ir contra as recomendações que nos são feitas.

Existe um consenso quanto ao facto de que o foco da política deve ser a criação de um crescimento mais forte da produtividade, com o objetivo de melhorar os padrões de vida de cada país. Isto poderá implicar mais investimento público em infraestruturas, especialmente em infraestruturas digitais e verdes; mais investimento em capital humano para que a mão de obra possa estar melhor preparada para a transição entre diferentes tipos de empregos; liberalização de fluxos comerciais e de capitais para que a economia possa obter os benefícios da eficiência do comércio; ou um melhor quadro regulamentar para a implementação de novas tecnologias.

O fundo de recuperação europeu poderá ser utilizado com este propósito e com a economia a crescer é uma questão de tempo até se chegar a uma maior estabilidade das finanças públicas. Quando isso acontecer, a própria economia estará também mais próxima do seu potencial e poderá começar a crescer de forma menos acentuada, sendo só aí necessário, a mesma consolidação fiscal que tivemos nos últimos anos.

 

 

 

 

 

Frederico Aragão Morais
Senior Market Analyst na Qaestum Capital

 

 

Este conteúdo patrocinado foi produzido em colaboração com a Qaestum Capital.

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