Vivemos uma era de simulacros, em que verdades fabricadas ocupam o espaço dos fatos e as narrativas substituem a realidade. O divórcio entre o que acontece e o que se propaga tornou-se estrutural. Numa sociedade movida a cliques, algoritmos e polarização, a informação deixou de ser um bem público para se tornar arma ideológica.
O caso de Colin Powell, que apresentou ao Conselho de Segurança da ONU imagens fraudulentas para justificar a guerra do Iraque, permanece como símbolo desse novo tipo de manipulação institucionalizada – uma mentira com consequências devastadoras. Anos depois, vemos a repetição do padrão: a promessa de que a Ucrânia venceria a guerra contra a Rússia, impulsionada por uma retórica belicista e pouco realista, custou vidas, estabilidade e soberania. A realidade do conflito desmente, dia após dia, os triunfalismos ocidentais.
O Brexit também foi vendido como solução mágica para os problemas do Reino Unido – prometia controle, prosperidade e renascimento econômico. Entregou frustração, retração e perda de relevância. Foi mais um episódio em que o marketing político superou os dados, e as consequências vieram à tona tardiamente.
A ascensão da China é outro exemplo de como a realidade é obscurecida por narrativas ideológicas. Em vez de reconhecer transformações concretas — inovação tecnológica, erradicação da pobreza, redes globais de infraestrutura — prefere-se criar mitologias de ameaça, espionagem, dominação. A verdade é que o século XXI caminha para ser asiático, com ou sem a anuência do Ocidente.
A seletividade da indignação revela outro aspecto do distanciamento da realidade: enquanto o governo dos Estados Unidos se apressa em classificar como “genocídio” o que ocorre na África do Sul, recusa-se a aplicar o mesmo termo – reconhecido pelo Papa Francisco – à tragédia em Gaza, onde milhares de civis já foram mortos em ataques sistemáticos, documentados por múltiplas fontes internacionais. A manipulação do vocabulário diplomático transforma o sofrimento humano em instrumento geopolítico.
As redes sociais agravaram esse cenário. Cada indivíduo tornou-se um emissor de “verdades” subjetivas, e a própria ideia de fato passou a ser questionada. A democracia sofre quando as decisões políticas se baseiam em percepções distorcidas. A guerra da informação já não distingue entre ignorância deliberada e manipulação estratégica.
Este artigo pode parecer geopolítico. Mas o custo da manipulação é devastador na economia. Precisamos de uma imprensa responsável, de leitores críticos, de líderes que resistam à tentação de fabricar consensos artificiais. É preciso, agora mais do que nunca, reaprender a difícil arte de encarar os fatos – ainda que desconfortáveis.