Tornou-se recorrente, quase vulgar, falar em crise das ideologias. Na maioria dos casos, com razão. O mundo mudou e, com ele, a per­ceção das realidades e a desadequação das receitas antigas aos tempos modernos.

Como se tivéssemos parado no tempo, alguns teimam em reclamar a aplicação de princípios e valores do séc. XIX para regular opções hoje necessárias e nunca antes sonhadas. Mas a sociedade e as tecnologias são dinâmicas. E como se podem invocar princípios e valores antigos quando nem se conseguem manter comportamentos e atitudes do seu recente tempo de oposição?

Para justificar as posições atuais, há quem invoque as suas op­ções ideológicas. Dizem que é ideologia, mas assemelha-se mais a demagogia, hipocrisia e oportunismo político.

Primeiro-ministro e Governo, em harmonia com a coligação das esquerdas, prosseguem esta via, marcada por comportamentos assentes pela manutenção no poder, lição absoluta de so­brevivência política. Que importa a coerência e a sustentação de posições em nome de princípios com um passado ainda muito presente? Quem te viu e quem te vê.

Uns, para se manterem no poder, custe o que custar. Outros, num condescendente, cínico e cúmplice apoio, à espera da sua oportunidade de acesso ao poder. Outros ainda, impondo a sua força sindical, condicionando políticas e governantes. Nunca a luta sindical esteve tão ausente e tão próxima do poder, excetuando no período revolucionário entre 1974 e 1976.

Entre a postura cínica e arrogante da extrema-esquerda e a recordação gonçalvista, António Costa conduz a sua embarcação como a pesca do cerco: à vista de terra, sem se arriscar ao mar alto, garantindo que, se afundar, apanhará a maré de regresso à praia. Entretanto, porém, arrastou a barca nacional para as profundidades.

O que importa é encontrar argumentos para justificar as opções imediatas. E, na falta de argumentos lógicos ou plausíveis, basta alegar que é uma política de “esquerda” para se justificar.

Esta “esquerda”, acorrentada ao muro ideológico e à divisão que o PS construiu com a coligação, legitima o aumento de impostos, cauciona o aumento da dívida pública e esconde a promiscuidade com interesses. Estratégias e táticas da esquerda subordinadas ao marketing político, onde o ‘soundbyte’ e a voz grossa rebaixam o debate político ao nível do pregão e da gritaria. Mas tudo é legítimo, porque é de esquerda. A esquerda é boa e os outros são diabolizados. Apenas porque não são de esquerda.

Dizem que é ideologia. Mas é apenas oportunismo com arrogância e ruído.