A duplicidade na vida das sociedades, seja no domínio económico, político ou comercial, é dos aspectos que mais destrói a confiança nas instituições e nas pessoas. Vários estudos demonstram que onde predomina a duplicidade, aquilo que vulgarmente designamos de dizer uma coisa e fazer outra, a mediocridade é o fio condutor, o nível de desenvolvimento económico é baixo e as perspectivas futuras destas sociedades são negativas.

Vem isto a propósito de três momentos que marcaram a semana. Primeiro caso. A União Europeia estabeleceu uma moratória, até Dezembro deste ano, na aplicação de uma taxa sobre as transacções dos gigantes internacionais da internet. Sediadas em paraísos fiscais, estas empresas pouco ou nada pagam de impostos directos nos países onde realizam as suas receitas.

Contudo, esta semana, o Conselho de Ministros espanhol, farto da inacção dos seus parceiros europeus e da duplicidade de se dizer que se quer taxar, ao mesmo tempo que se continua a adiar sucessivamente a sua aplicação, avançou unilateralmente com a imposição de uma ‘taxa Google’, ainda que correndo o risco de retaliação dos EUA. Eis, de forma muito simples, o governo espanhol a deixar claro que não alinha em compadrios de duplicidade.

Segundo caso. Em Portugal, o Governo diz aos parceiros sociais que os referenciais dos aumentos salariais devem ser na proximidade dos 3% e que os ganhos de produtividade devem ser equitativamente distribuídos entre accionistas e trabalhadores. O que aqui, nestas páginas, saudámos em tempo oportuno. O mesmo Governo que, por outro lado, quer fazer actualizações salariais de apenas 0,3% nos funcionários públicos, sinalizando, em sentido contrário, ao das suas propaladas intenções. Ou seja, o Governo diz algo e faz o seu contrário.

Terceiro caso, no mesmo sentido. Os bancos a operar em Portugal, com uma ou outra notável excepção, têm vindo a apresentar resultados, ainda não auditados, muito interessantes relativamente ao exercício de 2019. Nalguns casos, atingindo níveis e resultados sem precedentes. Vários deles têm anunciado, aliás, obra social e benemérita variada através de fundações, bem como têm vindo a patrocinar iniciativas como seja a plantação de hortas nas varandas dos seus edifícios, sessões de ioga para trabalhadores, entre outras.

Ou seja, ao mesmo tempo em que lucros excepcionais se aliam a tais iniciativas, em que divulgam o quanto de bem têm feito à economia portuguesa, alguns destes mesmos bancos fazem propostas de actualização das tabelas de expressão pecuniária (e também para os sistemas de assistência médica e social) de… 0,2%! Como se os seus próprios trabalhadores e reformados tivessem de ser sacrificados no altar da remuneração dos accionistas. O mesmo padrão de actuação: passar uma imagem, dizer algo, e fazer o seu contrário.

A relação de confiança, entretanto, vai-se degradando e as nossas perspectivas futuras degradam-se, claro está, sem que se preserve o bem comum e se promova a construção de uma sociedade mais justa. É isto que queremos?

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.