Tendo acompanhado a discussão na especialidade e a votação final do Orçamento do Estado, não pude deixar de reparar que este não será o orçamento das contas certas, mas uma outra coisa qualquer, visando agradar ao máximo número de clientelas.

É uma pena. Poderia não ter sido assim.

Concordo em absoluto com Fernando Medina quando este afirma que ter prudência orçamental, procurar ter pequenos excedentes orçamentais em momentos de bonança e baixar a dívida pública em proporção do PIB, são os elementos da grande reforma estrutural dos últimos 20 anos. Também não esqueço que uma sociedade marcada pela quase falência da República e pela intervenção draconiana dos credores tem as marcas ainda bem presentes.

Portanto, como afirma o ministro das Finanças, concordo que não é verdade que não tenhamos tido reformas estruturais. E tenho pena que, afinal, o orçamento se tenha afastado tanto, mas tanto, daquilo que deveria ser a sã prudência.

Lamento, igualmente, que o estatuto dos Residentes Não Habituais (RNH), os tais que o ainda primeiro-ministro lembrou que eram geradores de injustiça fiscal e de preços demasiado elevados no mercado residencial, não tenha sido repelido de vez. Não percebo como o discurso do nosso governante não teve expressão prática e como a maioria parlamentar arranjou um expediente dilatório. É caso para dizer que pagarão, novamente, milhões de portugueses para que alguns venham usar os nossos serviços e bens públicos sem por eles pagarem.

Também lamento que alguns partidos insistam na baixa das taxas de IRC, esquecendo que as taxas efetivas deste imposto são escandalosamente baixas. Porque o que verdadeiramente deveriam defender seria uma baixa do IRS, uma simplificação dos seus benefícios, pois isso implica com o bem estar direto dos contribuintes. Agora, vir reclamar pelo IRC é fazer de nós tolos, ou então confirmar que alguns se movem por agendas orientadas por lóbis poderosos.

Finalmente, o Oráculo da Rua do Comércio opinou novamente. Depois de nos ter tentado convencer que a inflação era temporária, contribuindo para a ilusão das famílias portuguesas que, com os seus créditos à habitação a taxas variáveis, contribuíram para enriquecer os acionistas, estrangeiros na sua maioria, dos bancos mutuários, vem agora com mais uma ideia brilhante.

Afirma o Oráculo que os ganhos de produtividade devem ser os guiões para os aumentos salariais. Concordo que os mesmos devem ser um dos referenciais. Mas era mais importante ter explicado por que motivo no setor que tutela, com níveis de produtividade e de remuneração de capitais próprios que comparam bem com outros países europeus, vários dos bancos a operar em Portugal, de capital estrangeiro, pagam menos, muito menos, aos seus trabalhadores do que o fazem nos outros países. E, sobre isso, nem um pio do Oráculo.

A justiça social não decorre de esmagar salários, mas de exigir que os portugueses sejam tratados como o são os outros europeus. Não é difícil de perceber, certo?