Naquela instituição pública discutiam-se coisas “novas”. O cumprimento de prazos era muito difícil, os clientes estavam muito pouco tolerantes com o serviço que lhes era entregue e exigiam mais qualidade e saber com o que contavam. Simultaneamente, parece que havia um problema de burnout com muitos funcionários. A saída permanente de pessoas, principalmente mais qualificadas e especializadas parecia estranha ao olhar das lideranças, nas vezes em que se questionavam um bocadinho sobre o assunto.

Alguns membros do Conselho de Administração achavam injusto, pois estavam ali há poucos meses, os anteriores responsáveis não tinham tomadas as decisões que deviam e agora pediam-lhes tudo. Alguns funcionários queriam até que falassem com eles e serem escutados… E esta Alta Direcção que aguardava há meses por uma autorização das “finanças” para algo que o seu membro do Governo já tinha autorizado e que por isso não podia avançar com medidas estratégicas do mandato que lhes foi conferido, é que tinha que lidar com a situação.

Parece que no Ministério das Finanças alguém tinha dúvida sobre as prioridades políticas e sobre as opções de gestão nesta instituição. Situação peculiar… quando até sobre a contratação de alguns profissionais foram colocadas dúvidas sobre as suas funções e necessidades. Por outro lado, os sindicatos parecem embirrar com eles. Agora queriam tudo. “As pessoas não podem ter tudo, não há meios para isto”, diziam os membros directivos. “E nós que até estamos cheios de boas intenções”.

Há meses festejavam as conquistas que o orçamento de estado tinha trazido. Antes nada podia ter sido feito. Não estava no orçamento. Entretanto uma legislação há muito necessária para a prestação de melhores serviços naquela área da administração pública foi finalmente aprovada. Agora é que ia ser. Mas… faltava regulamentar. Sim, porque estas coisas são muito complexas. Muito sérias. E por isso não se estranhe que passem alguns meses para que isso esteja pronto. E tem de envolver necessariamente muitos Ministérios. Parece que após ser aprovada, basta que cada uma das acções seja validada pelo Ministério das Finanças e pode ir-se fazendo.

“Pessoas muito qualificadas têm saído, mas felizmente temos pessoas leais, que conhecemos há muito tempo, já nos cruzámos noutras funções políticas e até conheço a família e tudo, tudo boa gente. Até espanta que outros funcionários aparentemente tão bons e qualificados não gostem de ser liderados por estas pessoas da nossa confiança. Se calhar não são assim tão bons… depois queixam-se de burnout e vão-se embora. Dantes não era nada assim. Era gente mais resistente. Mais forte.”

Espera… mas tudo isto era para? Ah sim… havia um serviço que era preciso prestar e as pessoas não estavam satisfeitas com o resultado. Não vale a pena perguntar qual é a instituição. É um exemplo construído com base nos relatos de muitas delas e no que têm em comum. As nomeações políticas e a micro-gestão são dois venenos para o regular funcionamento das instituições. O poder político não resiste à escolha com base na filiação partidária para tudo, até para cargos técnicos por vezes.

Nem tanto ao mar nem tanto à terra. Cargos políticos devem corresponder a nomeações políticas, o resto, lideranças e técnicos, devem ser escolhidos apenas pela sua competência e perfil adequado à função naquele momento. E o Ministério das Finanças, seja ele qual for, tem de ser competente para desenvolver mecanismos de controlo de gestão efectivos mas que respeitem boas prática de gestão com autonomia para que em tempo útil se tomem decisões com base em planeamento e orientações estratégicas.

Depois, avalie-se e apure-se responsabilidades. Já afirmei publicamente há anos que, para tudo ser decidido no Ministério das Finanças não é preciso ter tantos outros Ministérios, nem administrações de tantos organismos públicos, nem tantas lideranças intermédias. Talvez até se deva reflectir sobre a ideia explorada num artigo da Harvard Business Review sob o título “First lets fire all the managers”.

A ver vamos se as declarações do actual ministro das Finanças significam mudanças efectivas nesta forma de actuar, quando anunciou o fim da micro gestão feita pelo seu actual ministério… por estas palavras. Esperemos que não existam “ses” e, “mas” e várias entrelinhas que interpretadas deixam tudo mais ou menos na mesma. Depois lá nos queixamos de as pessoas estarem mais intolerantes, dos populismos e do turnover. Que má vontade esta das pessoas quando sentem injustiça perante este cenário, não é?

Todos nós também temos responsabilidades e devemos olhar bem para a ética das nossas acções quando questionamos o comportamento dos nossos dirigentes: que a responsabilidade diferenciada de uns não dilua a dos outros que somos nós, em cada decisão do nosso dia-a-dia, mais ou menos informados, mais ou menos preocupados apenas connosco ou também com o colectivo.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.