Esta semana fui confrontado com duas noticias contraditórias, ambas publicadas no “The New York Times”.
A primeira referia declarações feitas pelos mais importantes retalhistas mundiais, sossegando o público quanto ao facto de a automatização e a inteligência artificial não significarem necessariamente o desaparecimento maciço de postos de trabalho. Tom Faitak, da Walmart, anunciou que a sua empresa tem estado a instalar caixas de saída em auto-serviço (já existentes em algumas lojas portuguesas) assim como prateleiras equipadas com scanners para detetar falta de stock e desencadear um pedido automático de reposição. Disse também que a Walmart se prepara para começar a utilizar robôs de limpeza de chão. Nas suas palavras, “limpar o chão não traz realização a ninguém”, acrescentando que, ao automatizar estas funções, os empregados da Walmart terão mais tempo para dedicar aos seus clientes.
A IKEA, através de Martin Coppola, exemplificou que à medida que o seu site de vendas precisar de menos pessoas para o manter e atualizar, devido à utilização crescente de inteligência artificial e machine learning, as pessoas antes dedicadas a essas tarefas serão redirigidas para o departamento de marketing digital. “É importante olharmos para a tecnologia como um facilitador que não se desenvolverá à custa das pessoas”, rematou o mesmo Coppola. Portanto, independentemente dos exemplos dados, podemos deduzir que, no mínimo, os retalhistas de grande dimensão estão preocupados com este tema e procuram ativamente soluções para mitigar o fim de postos de trabalho causado pelos desenvolvimentos tecnológicos recentes.
A segunda notícia vem-nos da Amazon. Liberta de heranças de responsabilidade social, até pela sua curta história, a Amazon não anuncia reeducação ou realocação dos seus trabalhadores. Pelo contrário, procura instalar sistemas cujo único propósito é substituir tarefas até agora desempenhadas por humanos. Por exemplo, prepara-se para instalar em todos os seus armazéns máquinas que embalam, empacotam e enviam artigos diretamente para despacho. Em princípio serão duas por armazém e cada uma substituirá 24 pessoas.
No total serão eliminados 1.320 postos de trabalho nos 55 armazéns dos Estados Unidos. O período de reembolso do investimento é de apenas dois anos. Curiosamente, muitos destes armazéns foram instalados em cidades que pagaram à Amazon – através de incentivos fiscais plurianuais de todo o tipo – justamente para garantir postos de trabalho. Indiretamente, portanto, os Estados primeiro subsidiam a criação de emprego e depois a sua destruição.
À medida que o mundo se foi abrindo à globalização, os Estados desviaram progressivamente a sua atenção da proteção social e cidadã dos seus constituintes para uma busca quase sem limite da competitividade e do crescimento. Desaparecidas as barreiras alfandegárias, ultrapassadas as distâncias e garantido o acesso a produtos e serviços cada vez mais abundantes e acessíveis, ninguém parou para pensar que muito, bom e barato, só mesmo à custa de alguma coisa, sobretudo do custo do trabalho e da depredação cada vez mais (e não menos) feroz dos recursos naturais.
Uma pesquisa feita pelo European Council on Foreign Relations revelou que apenas um terço dos alemães, e um quarto dos franceses e italianos chegam ao fim do mês com algum dinheiro no bolso. Na Grécia são menos de 5% e em Portugal uns meros 18%. Portanto, um novo “precariado” substitui o antigo proletariado. Pessoas que, apesar de terem trabalho e ganharem salários, não conseguem mais que pagar as suas contas e viver da mão para a boca. Nos Estados Unidos, onde a situação é estatisticamente de pleno emprego, o cenário é idêntico e os “gigs” (antigos McJobs), tipo condutor de Uber, substituem o trabalho formal que antes constituía a espinha dorsal do sistema social e económico americano.
A automatização e a inteligência artificial que lhe é subjacente são bens de capital. Nessa medida remuneram quem o detém. O trabalho é o que resta a quem o não tem. E eis-nos embarcados na sua destruição. Ainda teremos saudades das “grandes lutas do proletariado”. Pelo menos eram pessoas de carne e osso.