Felícia Cabrita, a jornalista desempoeirada que passou a pente fino as escutas do processo Sócrates, revelou que, a dado passo, a conversa entre dois dirigentes socialistas a meio do mandato do Governo era esta: “Já só  temos dois anos para mamar!” Bonito! É claro que se as escutas incidissem sobre políticos do PCP, do BE, do CDS ou do PSD e tivessem eles no poder era bem capaz de se escutar algo parecido. Mas as coisas são o que são e quem lá aparece a desabafar são os do PS e não os outros.

‘Mamar’, neste contexto, suponho que seja, entre outras coisas, o seguinte: contratar amigos e família para lugares no Estado Central e na Administração autárquica, adjudicar contratos ou facilitar a vida a grandes empresas privadas (banca sobretudo) ou idem a empresas de amigos e conhecidos, no pressuposto de que acabada a política se aterre nelas em cargos de Administração, conceder subsídios e apoios financeiros estaduais ou isenções fiscais a  entidades ditas de solidariedade social com base em critérios de confiança pessoal ou partidária, etc., etc.

Há em todos estes casos um ponto comum: o Estado! É este que emprega, facilita, apoia, subsidia, autoriza e proíbe. O Estado também cura, educa, segura e julga. E desde que o faça de forma isenta e competente  nem o mais empedernido liberal o contesta.  Quem nos últimos dois  anos mais tem aumentado  a presença do Estado em todo o lado  e engordado o número dos seus funcionários é o Governo da “geringonça”. E, pior do que isso, mostra-se o paquiderme cada vez mais capturado pelas várias forças e grupos de interesse e pressão que à volta dele gravitam e dependem. Essa captura é da lógica político-sindical dos partidos comunistas que apoiam o Governo, e todos sabemos que a presença do PS no poder depende desses mesmos partidos .

Colocada assim a situação política, que seguramente se manterá nos próximos dois anos, há todas as razões para acreditar que as práticas tão desagradavelmente identificadas pelo título desta crónica prosperem. E se o Governo da cor actual, pelos antecedentes referenciados, é mais atreito a isso não é de excluir que outro qualquer, de outra cor, não caia na tentação. A única forma desta prática acabar é secando a fonte de onde promanam as controvertidas benesses.

É justamente isso que o PSD e o seu novo chefe deveriam começar a preparar em vista das eleições de 2019. Um programa de reformas profundas do Estado, reequacionando as suas funções e os seus fins, fazer (ou tentar) o que em 50 anos ninguém fez (com a honrosa excepção de algumas medidas de Pedro Passos Coelho, rapidamente revertidas pelo actual Governo). Mas, para isso não faz qualquer sentido que Rui Rio diga que está disponível para apoiar um futuro e eventual governo minoritário do PS, para evitar que os comunistas voltem a dar-lhe a mão. Tal política é uma confissão de derrota antecipada e não mobilizará ninguém.

Tome o PSD a iniciativa de construir uma grande plataforma política que agregue a direita democrática e o centro-esquerda verdadeiramente reformista e que ponha o Estado no seu lugar, que seja claro ao recusar qualquer aproximação ou apoio ao PS e verá que, a partir de 2019, outro ar se respirará neste país.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.