Mais uma polémica estrondosa nacional: dois bilhetes solicitados pelo ministro das Finanças para assistir a um clássico do futebol português. Repito: dois bilhetes para a bola. Para além de se constatar o bom gosto clubístico de Mário Centeno, o que há de relevante a retirar disto? Nada.

Em primeiro lugar, se o problema é o Benfica ser um contribuinte e ter questões com o fisco, então o Sr. ministro das Finanças não poderia sair do seu gabinete no Ministério e contactar com o mundo, pois somos quase todos contribuintes e alguns com temas a tratar com a poderosa máquina fiscal.

Em segundo lugar, só alguém desligado da realidade é que acha que o ministro das Finanças toma decisões técnicas da Autoridade Tributária sobre os contribuintes.

Em terceiro lugar, como benfiquista que sou e que ocupa o seu cativo no fervoroso terceiro anel, parece-me muito mais apropriado que figura tão importante do Estado esteja no camarote presidencial. Presumo que isto seja assim em todo o mundo.

Em termos de moral, bons costumes e governance na política, felizmente já lá vão os tempos da era da “balda”. Nesses tempos de pouco escrutínio, quase tudo era permitido e acumulavam-se compadrios, favores e outros abusos que conduziram a uma degradação da democracia. Mas da “balda” não demos um salto equilibrado para a normalidade. Entrámos, sim, na era do exagero e da estupidez em que se procura num político uma espécie de santidade, omnipresença e ausência de vida terrena.

Desde logo, parece que quanto mais curriculum vitae um político tem, pior. Ter CV significa ter história. E ter história implica ter tido uma vida em que se teve relações, em que se tomou decisões acertadas e erradas e, se tiver corrido bem, em que se ganhou dinheiro (esse pecado capital em Portugal).

Faz-se de tudo uma polémica, um caso político e, demasiadas vezes, um caso de polícia. Os escândalos de circunstância acumulam-se, incentivados pela fervilhante necessidade de fazer capas de jornais sensacionalistas e, principalmente, gerar likes, comentários incendiários e “partilhas” virais nas redes sociais. Isto tornou-se tão banal que, na realidade, tanto aparece como desaparece num ápice. Já ninguém parece dar muita importância, mas perdemos demasiado tempo a discutir “bagatelas” e polémicas de ocasião que nada contribuem para uma melhor gestão do Estado e que, pior, muitas vezes abafam temas realmente importantes.

No entanto, a polémica fácil e ruidosa é uma “corrente de opinião” cada vez mais instalada que em nada contribui para que a política seja uma atividade nobre, capaz de atrair gente com valor, com vontade de fazer melhor e diferente. Ser político tornou-se num ato de altruísmo de pessoas excecionalmente corajosas ou um pouco naïves. Na visão mais dramática é, essencialmente, uma carreira de pessoas sem CV e que têm nesta atividade um emprego sem alternativa.

Um político tem obrigação de suportar este estado de coisas? Ter, tem. Mas digamos que a sociedade civil e o jornalismo também têm obrigação de fomentar uma sociedade em que não se banalize a estupidez e a polemicazinha vazia. Que dê o seu contributo para a valorização do fundamental papel democrático da política.