O dólar tem estado a valorizar-se fortemente face ao euro, uma tendência que pode continuar durante o ano. São vários os motivos que ajudam a explicar a maior força, nos últimos tempos, da moeda norte-americana. Os Bancos Centrais estão entre os principais suspeitos, assim como as tarifas que os Estados Unidos têm tentado aplicar a países como o México, Canadá e China, com a União Europeia também a estar na ‘mira’ norte-americana. Todo este turbilhão pode levar a um ainda maior fortalecimento do dólar, fazendo com que o par cambial caia abaixo da paridade, favorável à moeda norte-americana, com o euro a ficar abaixo de 0,95 dólares durante 2025, antecipa um analista.
Estes são os principais ingredientes traçados pelos analistas de mercados financeiros consultados pelo Jornal Económico (JE).
A história do fortalecimento do dólar face ao euro já não é nova, como assinala o analista da XTB, Vítor Madeira, ao JE, que salienta que esta tendência já vem desde setembro de 2024 (desde então, o euro quebrou mais de 5% face ao dólar). E aqui existem ‘culpados’, entre os quais as decisões dos Bancos Centrais europeu e norte-americano (BCE e Fed).
“Tendo em conta que a política monetária dos bancos centrais tem um impacto direto nos pares cambiais, as decisões mais recentes da Fed, que optou por manter a taxa de juro, e do BCE, que decidiu reduzir a taxa, são os principais fatores que têm provocado a desvalorização do par euro/dólar (EUR/USD)”, explica Vítor Madeira.
Vítor Madeira considera que a situação se “poderia agravar”, tendo em conta que os mercados monetários estão a “antecipar mais cortes” por parte do BCE do que da Fed.
Uma visão que é partilhada pelo trader do Banco Best, Ângelo Custódio, que assinala que o “aumento da procura de ativos denominados em dólares” foi alimentada em “grande parte” pela política monetária do BCE, que visa a redução das taxas de juro, ao contrário da Fed, que “mantém uma política mais agressiva” no controlo da inflação.
Para além das decisões do BCE e da Fed, as políticas norte-americanas estão também a favorecer a subida do dólar, como assinala o economista sénior do Banco Carregosa, Paulo Monteiro Rosa, que diz ao JE que a valorização do dólar face ao euro tem sido uma “resposta do mercado” às políticas económicas do novo presidente norte-americano, Donald Trump, que “visam estimular o crescimento económico através de mais investimento, um mercado livre e a redução de impostos”.
Paulo Monteiro Rosa considera que isto poderá tornar a economia dos Estados Unidos “ainda mais robusta, valorizando assim a sua moeda [dólar]”.
O economista sénior do Banco Carregosa considera que, no curto prazo, a evolução cambial “tende a ser impulsionada” por eventos específicos, como, por exemplo, decisões de política monetária da Fed, os dados económicos norte-americanos e as expectativas em torno das taxas de juro.
“No longo prazo, o dólar tende a evoluir de acordo com a diferença estrutural nas taxas de crescimento entre os Estados Unidos e a Zona Euro, alterações nos investimentos estrangeiros ou políticas orçamentais e monetárias mais agressivas”, explica Paulo Monteiro Rosa.
O economista destaca que, nos últimos anos, a economia norte-americana tem crescido a um ritmo superior face à Zona Euro (cerca de 3% quando a Zona Euro não chega aos 1%), um fator que contribui também para a subida do dólar face ao euro desde meados de 2023.
Paulo Monteiro Rosa diz ainda que os mercados financeiros indicam que o dólar “tem sido favorecido” por uma política mais agressiva da Fed, que “tem mantido” as taxas de juro elevadas devido a uma inflação também “mais acentuada” nos EUA, enquanto o BCE “tem sido mais cauteloso” nas suas decisões, dado que a inflação na zona euro “é menos pronunciada”.
Este cenário, explica o economista do Banco Carregosa, “tem atraído investidores em busca de rendimentos mais elevados” em ativos denominados em dólares.
“Além disso, os dados económicos recentes dos Estados Unidos, incluindo o crescimento robusto do Produto Interno Bruto (PIB), têm sustentado a força do dólar. As flutuações de curto prazo também são influenciadas pelas expectativas quanto à continuidade ou desaceleração dessa política da Fed”, esclarece Paulo Monteiro Rosa.
Tarifas podem levar à paridade entre dólar e euro
As tarifas são outro fator que justifica o comportamento entre dólar e euro.
Vítor Madeira assinala que a valorização do dólar “parece também refletir a influência” das tarifas que os Estados Unidos estão a querer aplicar a parceiros comerciais.
O analista da XTB diz que, no curto prazo, a “incerteza” que se tem gerado sobre as tarifas provocou “uma alta volatilidade” no mercado cambial.
Mas, refere Vítor Madeira, o adiamento das tarifas ao México e ao Canadá, por um mês, fez com que o par EUR/USD “regressasse aos níveis anteriores” ao anúncio das tarifas.
“A incerteza sobre possíveis tarifas à União Europeia está a ser considerada, uma vez que esse cenário pode levar o par cambial a cair abaixo da paridade”, alerta Vítor Madeira.
O trader do Banco Best, Ângelo Custódio, assinala que o declínio do euro face ao dólar está também a ser influenciado pela “forte possibilidade” de os Estados Unidos “restringirem o comércio com as economias orientadas para a exportação” através de novas tarifas comerciais.
Ângelo Custódio alerta que, se o diferencial de crescimento económico entre os Estados Unidos e a Zona Euro “continuar a aumentar”, poderá criar uma tendência de subida do dólar a longo prazo.
“Na perspetiva de uma guerra comercial global, os mercados começam a posicionar-se para um movimento em direção à paridade no curto prazo, com alguns investidores a apostarem no enfraquecimento do euro abaixo de 0,95 dólares durante 2025. Porém, a dinâmica entre os dois blocos pode mudar conforme as políticas monetárias e as condições económicas no momento”, defende o trader do Banco Best.
O economista sénior do Banco Carregosa, Paulo Monteiro Rosa, alerta que a política protecionista dos Estados Unidos, com o aumento das tarifas, “também pode impulsionar a inflação”, um indicador que, em janeiro, subiu, “igualando os níveis de junho do ano passado e registando a maior subida mensal desde agosto de 2023”, salienta o economista.
Paulo Monteiro Rosa considera que esta subida na inflação pode pressionar a Fed a “manter as taxas elevadas, aumentando o diferencial” em relação às taxas de juro do euro, algo que contribuiria para a valorização do dólar.
Impacto nas exportações
Toda esta situação acaba também por afetar Portugal, se tivermos em conta que os Estados Unidos representam pelo menos 6% de todas as exportações portuguesas, como assinala Vítor Madeira. E aqui pode surgir uma “janela de oportunidade” para terras lusas, mas mesmo assim existem compromissos a ter em conta.
“Um dólar forte poderá tornar as exportações portuguesas (e também as europeias) mais competitivas, favorecendo setores como a indústria e o turismo. Porém, poderá também aumentar o custo das matérias-primas denominadas em dólares, reduzindo a margem de lucro das empresas exportadoras. Os consumidores também são afetados, já que um euro mais fraco pode aumentar os preços de produtos importados dos Estados Unidos, como produtos tecnológicos e combustíveis, ao passo que um euro forte os torna mais acessíveis”, descreve Vítor Madeira.
O analista da XTB assinala que as flutuações do EUR/USD “afetam diretamente” as trocas comerciais, os preços e a economia de ambos os lados. “Assim, os impactos serão mistos e dependerão das flutuações da moeda”, alerta Vítor Madeira.
“A taxa de câmbio EUR/USD influencia as transações comerciais entre a Zona Euro e os Estados Unidos, afetando os preços, a competitividade e os custos de importação e exportação”, refere o analista da XTB.
Vítor Madeira diz ainda que a valorização do euro “encarece” as exportações europeias para os Estados Unidos, “reduzindo a competitividade”, ao passo que um euro mais fraco torna os produtos europeus “mais acessíveis” aos consumidores americanos.
O trader do Banco Best, Ângelo Custódio, diz que a valorização do dólar poderá ter um “forte impacto” sobre as exportações do bloco europeu.
“No quadro de desvalorização do euro, os produtos europeus tendem a tornar-se mais competitivos e apetecíveis nos mercados ‘dolarizados’, já que esses consumidores e empresas teriam a vantagem de adquirir produtos cotados em euros, ficando os mesmos mais baratos quando convertidos”, explica Ângelo Custódio.
O trader do Banco Best assinala que um dólar forte “pode ajudar a melhorar” a balança comercial dos países da Zona Euro, uma vez que os bens e serviços exportados “tornam-se mais competitivos”.
Este cenário, reforça Ângelo Custódio, pode resultar num “aumento do volume de exportações, contribuindo positivamente para o crescimento económico do bloco, assim como num benefício de estímulo” ao emprego.
Já o economista do Banco Carregosa, Paulo Monteiro Rosa, salienta que, com um dólar mais forte, os produtos da zona euro (e, em particular, de Portugal) “tornam-se mais baratos” para os consumidores norte-americanos, uma situação que pode levar ao “aumento da competitividade” das exportações europeias e portuguesas nos Estados Unidos.
“Este efeito pode ser particularmente acentuado em setores como o automóvel, máquinas e equipamentos, e produtos alimentares”, diz Paulo Monteiro Rosa.
Com a valorização do dólar e um euro mais enfraquecido, as exportações europeias “tornam-se mais competitivas” noutros mercados, já que os produtos da zona euro “ficam mais baratos” para os consumidores fora dos Estados Unidos.
Mas com as vantagens existem também desvantagens, sublinha o economista do Banco Carregosa.
“Contudo, com o euro a enfraquecer, os custos de importação para a Europa aumentam, especialmente em produtos essenciais como o petróleo e outros recursos naturais, o que pode pressionar ainda mais a inflação na zona euro. Esta pressão inflacionista pode dificultar a redução das taxas de juro por parte do BCE”, alerta Paulo Monteiro Rosa.
Tarifas podem influenciar preços na Europa e Estados Unidos
As tarifas podem também ter outros efeitos, quer na Europa quer nos Estados Unidos, como assinala o trader do Banco Best.
Ângelo Custódio diz ainda que as tarifas que podem ser aplicadas pelos Estados Unidos à Europa podem ser um “game changer” para o “enfraquecido” motor económico europeu, ao referir que, para manter a competitividade, as empresas europeias “podem ter de optar por reduzir preços, encolhendo ainda mais as suas margens de lucro, e procurar alternativas para minimizar o impacto” destas medidas, tais como: “reduzir custos de produção e melhorar a eficiência, exigindo aos responsáveis políticos que adotem novas estratégias para mitigar os impactos negativos”.
O analista da XTB, Vítor Madeira, complementa esta ideia ao salientar que novas tarifas sobre produtos importados “podem aumentar os preços” para os consumidores, uma vez que as empresas tendem a transferir esses custos.
“Se os Estados Unidos impuserem tarifas adicionais sobre produtos europeus, os consumidores americanos poderão pagar mais por esses bens”, avisa o analista da XTB.
Nesta fase, Vítor Madeira considera que o impacto direto da imposição destas tarifas “é ainda inconclusivo”, principalmente “devido ao facto de ainda não ser certo o ‘quando’ e o ‘se’ de estas tarifas entrarem em vigor”.
Mas num cenário em que as tarifas se concretizem, “podemos assumir que haverá um impacto nas exportações portuguesas em particular, bem como no bloco europeu em geral”, uma vez que os Estados Unidos são um dos principais destinos das exportações, reforça o analista da XTB.
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